CONTRA TUDO E CONTRA TODOS
Virgílio de Mattos
Não é fácil
remar contra a maré e a correnteza se o barco ainda não está pago, você está
sozinho, sente frio e sede, fome e medo do escuro, melhor deixar-se levar pelo
meio do rio ou próximo à costa, deixar o dia clarear e com o sol causticante e
implicante e as pessoas fazendo fila na praia ou na margem pra comprar o seu
peixe, enfim, você poder relaxar um pouco.
Algumas
metáforas fedem a peixe podre e não gostaria de utilizá-las num texto, leitor paciente.
Na verdade este é um texto que não gostaria de escrever, porque sempre entendi
que povo na rua é sempre um bom sinal e, pouco importando a rua, sempre faz
sentido.
Por
que então, agora, estar um pouco perdido com tanta massa (inútil?) na rua, tanta
gente boa e bonita, tanto apoio da mídia e das classes mé(r)dias? Talvez seja
exatamente por isso que não me sinta bem. Quem é esse povo que andou nas ruas
da minha cidade e de outras cidades onde vivi e fui feliz e triste, senti fome
e cansaço, alegria e raiva?
A expectativa
aumenta.
Minha mãe
dizia pra não se misturar com porcos porque a gente iria comer farelos. Na
verdade minha mãe tinha vários ditados irritantes em sua sabedoria de educação
formal quase nula. Não marchou com deus pela democracia em 1964, embora tivesse
um pouco de receio dos “padres comunistas
da Igreja Nossa Senhora do Carmo”. Tinha medo de comunismo e comunistas,
seu cunhado destroçado na tortura por Felinto Müller talvez explicasse isso.
Talvez o marido fascista que o tempo vai tornando mais “progressista”... Quem
se preocupa com explicações?
Volto no tempo
ao tempo de manifestações de rua em São Bernardo, São Paulo, Belo Horizonte,
cidades em que vivi e fui feliz e triste, senti fome e cansaço, alegria e raiva.
Estávamos em 1979 e eu tinha duas certezas: a ditadura cairia ainda no primeiro
semestre e a Revolução Socialista não passaria do segundo. Sempre tudo foi uma
questão de tempo?
Reflito sobre
algumas imbecilidades que vi enquanto penso num cartaz: EXIJO MEU INVERNO!!! Ou
então em outro mais apropriado ainda: CONTRA TUDO E CONTRA TODOS!
Saúde,
educação, quem pode ser contra isso? Conhece alguém a favor da corrupção, da
pedofilia, do câncer de fígado?
Fizemos, num
encontro de final de semana, sem pauta prévia além de matarmos saudades
recíprocas e, das pautas picadas, estas reivindicações isoladas:
Carlos “Mente
Perigosa” Magalhães: CONTRA O MAL. Porque
o mal representa tudo que é ruim.
Laurinha
Lambert: PELO FIM DO GADO CONFINADO!
Precisamos de cogumelos pra esse povo deixar de ser careta.
Mônica Ribeiro: PELO FIM DA MATEMÁTICA NO UNIVERSO! Não sei fazer conta de cabeça.
Maria Caxuxa: ENTÃO OCÊ ESPERA...ESQUECI. É porque não tem
nem mais revistinha por aí.
E eu: QUERO FICAR DE SANGUE ATÉ O PESCOÇO!
Justificativa? Não quero acordo.
Pra não dizer
que não falo sério fiz também meu programa de cinco pontos, já que todo mundo
apresenta um programa de cinco pontos. Como preliminar exijo a extinção das
prisões e dos manicômios. Como acordo aceito a revogação das leis antidrogas, o
que reduziria a população carcerária em mais de 50%.
Pra não dizer
que não proponho acordo, eis meu programa de cinco pontos, como uma estrela:
1.
Lei de mídia e revogação de TODAS AS CONCESSÕES
de mídia eletrônica;
2.
Imposto sobre grandes fortunas e herança;
3.
Fim do latifúndio e reforma agrária e urbana
amplas;
4.
Estatização dos transportes (não são públicos?)
e dos bancos;
5.
Taxação de TODAS a igrejas com Imposto de Renda
Pessoa Jurídica, ISSQN e ICM.
Obviamente que
não estão em ordem de importância, é apenas uma proposta de acordo.
Eu gostei do texto e gostei daquele dia. Estava tão me sentindo tomada por uma sensação de espanto diante do que estava acontecendo que me veio essa idéia (minha idéia tem acento) pelo fim da matemática. Mas da matemática NO UNIVERSO. Isso significa o fim do universo, o fim do sentido do universo...
ResponderExcluirA explicação: "porque não sei fazer conta de cabeça" faz referência ao meu espanto diante de tudo. O universo é matemático e, de cabeça, eu não estava sabendo fazer a conta do que estava acontecendo.
Mas tudo isso só pensei agora. Na hora só falei aquilo.
Voltando: gostei muito do texto do Virgílio, concordo com todas as reivindicações dos amigos e que as igrejas sejam "impostadas" na medida de seus lucros, de seus patrimônios. Cadê o tal do estado laico?