O Senado no federalismo brasileiro: reforma ou
extinção?
José Luiz Quadros de Magalhães
Em
2007 a
absolvição pelo Senado do Senador Renan Calheiros trouxe revolta em parte da
opinião pública brasileira. Algumas vozes passaram a defender o fim do Senado
Federal, outras mais moderadas a fusão das duas casas o que pode significar a
mesma coisa por caminhos diferentes e uma linguagem menos agressiva. Como de
costume, passados alguns meses, uns escândalos a mais, ameaças de CPI’s, que
vão transformando o Congresso Nacional em comissariado de polícia, o que
definitivamente não é sua função, o tema do bicameralismo e unicameralismo foi
rapidamente esquecido. Naquele momento, as razões para extinção ou fusão das
duas casas eram muito mais emocionais do que técnicas, mas despertaram em
muitas pessoas a vontade de compreender a finalidade e utilidade desta casa
legislativa em nossa história, especialmente sua finalidade e utilidade
contemporânea. Em 2009, com o novo escândalo envolvendo diversos parlamentares
e especialmente o Senador José Sarney, retorna a oportunidade de discussão do
tema.
Neste
ensaio vamos discutir a função do bicameralismo e do unicameralismo no Brasil e
em alguns outros estados nacionais, para compreendermos a função que têm o
nosso Senado na Constituição de 1988. Pretendemos demonstrar a necessidade de
uma reforma constitucional que resgate o Senado para a democracia
representativa e para o federalismo brasileiro. Acreditamos que da forma como
funciona atualmente o nosso Senado, mais do que desnecessário é uma instituição
ruim para a democracia e para o nosso federalismo.
Faremos
uma análise teórica, comparativa e histórica, logo contextualizada. Queremos
demonstrar que a desnecessidade do nosso Senado não é uma tese jurídica
descontextualizada. Não se trata de defender em tese o unicameralismo no lugar
do bicameralismo. O que pretendemos levantar é o fato de que o Senado, no
contexto histórico institucional e constitucional da republica democrática
instituída no Brasil a partir de 1988, pode ser desnecessário, e mais do que
isto, pode ser prejudicial, uma vez que não cumpre sua função de casa de
representação dos entes federados, distorce a soberania popular fundada no
sufrágio igualitário universal (que proíbe a existência de voto censitário ou
qualquer outra forma de pesos diferenciados de votos para os cidadãos
brasileiros), e ainda é historicamente marcado por uma majoritária
representação de elites políticas e econômicas conservadoras, famílias que se
alojam no poder, perpetuando um familismo extremamente prejudicial para a ideia
de Republica e impedindo reformas e transformações que a Câmara muitas vezes
poderia promover.
Para
compreendermos o papel do Senado vamos começar pela análise de seu
funcionamento na Constituição de 1988 para posteriormente fazermos um estudo
comparado com o funcionamento do Senado e sua finalidade(s) em outras democracias
contemporâneas.
O SENADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
A adoção da organização do parlamento, em uma ou duas casas legislativas,
ultrapassa a discussão da forma federal de Estado, podendo ter aspectos
políticos relevantes para a estabilidade e conservação do ordenamento jurídico.
No Brasil, a Constituição de 1988 mantém o bicameralismo das Constituições anteriores.
No Brasil, a Constituição de 1988 mantém o bicameralismo das Constituições anteriores.
A Câmara de Deputados é formalmente a representação popular onde o
mecanismo de escolha deve respeitar a idéia de soberania popular e voto
igualitário: um cidadão um voto. O Senado é formalmente a casa de representação
dos interesses dos entes federados em um estado federal. No Brasil o Senado
representa os Estados membros e o Distrito Federal em um federalismo simétrico,
o que implica na idéia de que a representação dos Estados membros da federação
não é proporcional a população, ao poder econômico ou dimensão territorial, mas
igualitária para cada Estado: três senadores para cada estado membro e o
distrito federal.
O nosso Senado, além de casa de representação dos Estados membros e do DF
cumpre a função de casa legislativa revisora de natureza moderadora
conservadora, com o objetivo de barrar prováveis mudanças bruscas na legislação
e na Constituição, decorrentes de uma alteração radical na composição da Câmara
dos Deputados, uma vez que esta casa tem todas as suas cadeiras em disputa no
período de quatro em quatro anos, enquanto no Senado a renovação ocorre na
proporção de um terço, dois terços a cada quatro anos, permanecendo, portanto
sempre uma parcela de componentes eleitos na legislatura anterior. Desta forma,
uma mudança radical na composição da câmara de deputados será amortecida pelos
senadores eleitos há quatro anos atrás, que podem ser na proporção de um terço
ou dois terços de todo o Senado. Esta característica bastante conservadora é
capaz de prejudicar a vontade popular expressa em um momento político
específico, frustrando a população com o papel desempenhado pelo legislativo.
Esta situação pode ser mais grave quando a maioria do Senado for contraria a
maioria da Câmara e ao Governo eleito. Como sabemos o governo depende do
Congresso nacional para governar, como em qualquer democracia representativa do
mundo, e como o Senado participa da votação em todo processo legislativo, não
havendo separação de competências legislativas segundo a vocação da casa, esta
característica conservadora será ainda mais acentuada.
Um outro grave problema que ocorre em nosso sistema bicameral decorre da
mencionada ausência de repartição constitucional de competência legislativas e
constitucionais entre as duas casas de modo que mantenha a função de
representação do povo por parte da Câmara de Deputados e a representação dos
estados membros por parte do Senado.
A Câmara dos Deputados, pelo fato de representar os cidadãos, e uma vez
que se adotou o sistema de circunscrições equivalentes ao território dos
Estados membros, deve ter número variável de Deputados por circunscrição (que
corresponde ao território do Estado membro), correspondente à proporção do
número de seus eleitores. Em outras palavras, enquanto no Município e nos Estados
membros as eleições ocorrem em circunscrição única, o que implica na adoção do
sistema proporcional puro, para os representantes do povo brasileiro na Câmara
de Deputados Federais a Constituição não adota a circunscrição única mas sim um
sistema que podemos chamar de distrital proporcional uma vez que o território é
dividido em circunscrições para fim de aprisionamento do voto. Exemplificando: a)
nas eleições para vereadores cuja dimensão é o território do município, o eleitor
de qualquer bairro ou distrito pode votar em qualquer vereador de qualquer
bairro ou distrito (circunscrição única); b) nas eleições para deputados
estaduais, o eleitor de qualquer município, de qualquer região do Estado pode
votar em qualquer candidato do Estado, seja qual for seu domicílio, sua região
ou cidade (circunscrição única); c) nas eleições para deputados federais a
adoção de circunscrição única implicaria na possibilidade do eleitor de
qualquer cidade, município, região ou estado, poder votar indistintamente em
qualquer candidato também de qualquer local. Isto não ocorre justamente pelo
fato de nossa Constituição, diante da grande dimensão territorial e diversidade
cultural e econômica presente em nosso território, optar pela adoção de um sistema
distrital proporcional. Em outras palavras, o eleitor domiciliado em Minas Gerais só pode
votar nos candidatos a deputados federais também domiciliados e inscritos em Minas Gerais. Isto
não significa que estes deputados representem Minas Gerais, representam o povo
brasileiro, mas para facilitar o controle dos representados sobre seus
representantes e evitar distorções favoráveis a candidatos residentes e
domiciliados em determinadas regiões decorrentes de poder econômico ou mídia
além de outros fatores, a Constituição dividiu o território em circunscrições
que correspondem ao território dos Estados membros. Em cada uma desta
circunscrição haverá uma eleição proporcional para preenchimento de vagas que
variam de oito a setenta.
Desta divisão decorre um problema sério: o texto constitucional estabeleceu o número mínimo 08 (oito) e
máximo 70(setenta) Deputados por Estado. Esta proporção criada pelo mínimo e
máximo não permite que haja a proporcionalidade exigida por princípio fundamental
da Constituição que mantenha o sufrágio igualitário de um cidadão um voto,
visto a enorme disparidade existente entre os Estados mais e menos populosos.
Ou seja, a proporção entre o Estado menos populoso com menor eleitorado e o
mais populoso com maior eleitorado não cabe matematicamente dentro da proporção
entre oito e setenta. Isto faz com que os brasileiros habitantes dos Estados
menos populosos sejam super-representados na Câmara (o seu voto vale mais pois
com menos votos esses eleitores elegem mais deputados) enquanto que os
habitantes dos Estados mais populosos sejam sub-representados (uma vez que para
eleger um deputado precisa de muito mais votos do que o eleitor dos estado
menos populosos). Importante lembrar que se trata neste caso de representação
popular e não representação dos Estados membros pois estes estão representados
no Senado. Para corrigir este problema é necessário mudar os números mínimo e máximo
ou então mudar o número de circunscrições que não precisam corresponder ao
território dos Estados uma vez que os deputados não representam os Estados mas
sim o povo brasileiro.
Entretanto, com razão, argumenta-se que os Estados menos populosos seriam
mesmo assim prejudicados por esta regra, pois, enquanto São Paulo teria 70
deputados, Estados como Rondônia, Amapá, Acre, Roraima entre outros teriam cada
um apenas oito deputados. A casa de representação dos Estados membros é o
Senado e este tem três senadores para cada estado mantendo assim o equilíbrio
(ou simetria horizontal) federal. O Senado Federal, por representar a
federação, estabelece pesos iguais de representação entre os Estados, sendo que
cada um terá três representantes, incluindo-se a partir de 1988, a representação do
Distrito Federal. O prejuízo dos Estados menos populosos, logo, só ocorre, pela
inexistência de competências legislativas próprias que preservem de um lado a
simetria no senado e de outro a proporcionalidade na Câmara. São necessárias
mudanças no processo legislativo que estabeleçam competências exclusivas de
iniciativa para cada casa, além das que já existem, observando a finalidade
constitucional de cada uma delas.
Outro problema com o Senado será seu conservadorismo, muito mais marcante
do que sua natureza de Casa Legislativa com a responsabilidade de manter o
equilíbrio federal. Esse conservadorismo negativo manifesta-se, claramente,
em três momentos: a) o mandato de seus membros; b) a forma de renovação dos
mesmos; c) a sua competência legislativa onde não há demarcações claras de
iniciativas legislativa para uma e outra casa levando em consideração sua
função e finalidade constitucional.
O mandato dos Senadores é de 8 anos, o dobro do mandato dos Deputados Federais, não existindo, ainda, a possibilidade de renovação de todos os seus membros de uma só vez, pois a eleição ocorre a cada quatro anos, renovando-se um terço e dois terços dos seus membros alternadamente.O estabelecimento desse mecanismo como já mencionado, implica na existência de uma casa legislativa, que poderá representar em determinado momento político, barreira às transformações mais amplas apoiadas pela maioria da população, oriundas de uma Câmara dos Deputados totalmente renovada pelo voto popular.
O mandato dos Senadores é de 8 anos, o dobro do mandato dos Deputados Federais, não existindo, ainda, a possibilidade de renovação de todos os seus membros de uma só vez, pois a eleição ocorre a cada quatro anos, renovando-se um terço e dois terços dos seus membros alternadamente.O estabelecimento desse mecanismo como já mencionado, implica na existência de uma casa legislativa, que poderá representar em determinado momento político, barreira às transformações mais amplas apoiadas pela maioria da população, oriundas de uma Câmara dos Deputados totalmente renovada pelo voto popular.
O caráter limitador do processo legislativo pelo Senado se agrava pelo
processo de elaboração normativa estabelecida na Constituição, onde todas as
matérias devem ser votadas, normalmente, nas duas casas legislativas
separadamente, e em alguns casos, como na apreciação de veto presidencial, pelo
Congresso Nacional, em sessão unicameral.
A adoção desse processo implica que as matérias oriundas da Câmara dos
Deputados, deverão ser discutidas e votadas no Senado, sendo que se não
aprovadas serão arquivadas ou então, sofrendo emendas, voltarão para apreciação
das modificações pela Câmara. Aprovadas ou não, as modificações sofridas no
Senado por meio de emendas, mas aprovado o projeto de lei, este será
encaminhado para sanção ou veto do Presidente da República. Se o projeto de lei
é proposto por senador, iniciando-se no Senado ocorre o mesmo procedimento só
que em sentido contrário. Importante observar que os projetos de lei de
iniciativa do Presidente da República, do Poder Judiciário, de iniciativa
popular, de iniciativa do Ministério Público ou de iniciativa de deputados
federais, deverão se iniciar na Câmara, seguindo o procedimento acima. Já os
projetos de iniciativa dos senadores devem se iniciar no Senado seguindo então
o procedimento já referido: após discutido votado e aprovado no senado segue
para a Câmara, esta pode arquivar ou então, aprovar sem emendas indo para sanção
ou veto do Presidente da República. Se houver emendas aprovadas ao projeto de
lei estas emendas retornam para apreciação da Câmara. Aprovadas ou rejeitadas
as emendas, segue o projeto para sanção ou veto do Presidente da República. O
que chama atenção e que causa problemas é a inexistência de matérias de
iniciativa exclusiva do Senado e da Câmara conforme a finalidade constitucional
de cada uma destas casas. Para que o Senado cumprisse sua função de
representação dos interesses dos Estados membros evitando a distorção que ele
provoca da proporcionalidade da representação popular, e para que a Câmara
cumprisse sua função de representação igualitária do povo evitando a distorção
que causa da simetria federal, teríamos que corrigir os seguintes equívocos e
omissões constitucionais:
a) As matérias de interesse dos Estados (matéria fiscal e
orçamentária, por exemplo) deveriam iniciar obrigatoriamente no Senado e ter
obrigatoriamente a palavra final do Senado, após discussão e aprovação ou não
do projeto de lei, com ou sem emendas por parte da Câmara de deputados. A não
aprovação de um projeto de lei do Senado implicaria em veto da Câmara que
obrigatoriamente retornaria ao Senado para apreciação.
b) Todas as outras matérias de interesse popular em geral
deveriam ser iniciadas na Câmara de Deputados e depois de passar pelo Senado,
retornar sempre à Câmara de Deputados para discussão e votação final, na forma
acima descrita.
Estas análises do nosso texto constitucional criam uma desconfiança em
relação ao nosso bicameralismo e a busca de nova configuração para nossa
democracia representativa que possa oferecer maior clareza, celeridade e
transparência no processo legislativo. O unicameralismo pode oferecer uma
dinâmica muito mais adequada a um país em transformação. Entretanto ,
a adoção do unicameralismo esbarra na lógica federal especialmente na adoção de
um federalismo simétrico que busca a correção das diferenças regionais por meio
de uma representação igualitária entre os entes federados.
Será que todo federalismo é
juridicamente simétrico? A única maneira de corrigir as brutais distorções no
desenvolvimento econômico é por meio de um federalismo simétrico? Não acredito
que seja. O fim da simetria não pode ser obstáculo para a adoção do
unicameralismo. Existem Estados federais juridicamente assimétricos assim como
existem Estados federais unicamerais. O bicameralismo não é uma condição
inafastável para o federalismo. Vejamos pois algumas soluções:
a) Para a manutenção do Senado em um federalismo simétrico a superação do problema pode ocorrer de maneira simples, partindo-se da modificação dos três fatores, enumerados anteriormente, como sendo responsáveis pelo caráter conservador do Senado.
a) Para a manutenção do Senado em um federalismo simétrico a superação do problema pode ocorrer de maneira simples, partindo-se da modificação dos três fatores, enumerados anteriormente, como sendo responsáveis pelo caráter conservador do Senado.
I- A redução do
mandato para quatro anos e a renovação de todos os seus membros,
simultaneamente, com a Câmara de Deputados, pode reduzir o caráter conservador
mantendo-se o equilíbrio federal no parlamento.
II- Outro avanço
pode ser alcançado, corrigindo-se o processo legislativo e estabelecendo-se
competências diversas, para as duas casas legislativas. Determinando para o
Senado e para a Câmara competências legislativas específicas segundo sua
finalidade constitucional.
III- Criar novas
circunscrições territoriais para fins eleitorais, que permitam a correção das
distorções entre os estados com maior ou menor população ou modificação dos
números mínimo e máximo de deputados por circunscrição o que pode atenuar o
problema.
b) Com a extinção do
Senado e a adoção de um federalismo unicameral simétrico, dinâmico, mantendo-se
mecanismos fiscais e princípios constitucionais fundamentais que promovam e
protejam o equilíbrio federal com a redução das desigualdades regionais e
sociais.
c) Uma opção radical:
temos defendido em vários trabalhos, o Poder Municipal, estudando as opções
existentes para a desejável descentralização de poder, o que pode ocorrer por
meio de uma federação de Municípios; uma miniaturização dos Estados Membros; ou
a simples modificação da repartição de competências e os mecanismos atualmente
existentes ainda muito centralizados. Reconhecemos, entretanto, que este é um
caminho incerto.
Para entendermos a adoção de um unicameralismo em uma Federação simétrica ou assimétrica precisamos resgatar alguns conceitos. O que significa um federalismo simétrico e assimétrico?
O Federalismo
simétrico (simetria jurídica) busca o equilíbrio de um Estado Federal de fato
assimétrico (as assimetrias reais, de natureza econômica, cultural,
populacional são muito comuns), onde os entes federados de mesmo nível
(municípios entre si e estados membros entre si) têm as mesmas competências e
se for o caso, o mesmo número de representantes no Senado. Digo, se for o caso,
pelo fato dos municípios, embora sendo entes federados, não terem
representantes no Senado, mas tem entre si, as mesmas competências legislativas
ordinárias, administrativas e constitucionais.
O federalismo assimétrico ocorre em
Estados complexos que convivem com uma diversidade lingüística e étnica de
especial complexidade histórica, como ocorre com o Canadá onde pessoas de
cultura e idioma francês convivem com pessoas de cultura e idioma inglês, ou a
Bélgica que dispõe de um Senado para representação das comunidades lingüísticas
neerlandesa (flamenga); francesa e uma minoria alemã. Pela existência destas
comunidades distintas que guardam muitas vezes rivalidades antigas, o Senado
apresenta uma assimetria que procura responder ao peso populacional de cada
comunidade, assim como o peso econômico algumas vezes. Portanto no federalismo
assimétrico há um tratamento diferenciado em relação aos entes federados de
mesmo nível que procuram acomodar diversidades étnico-culturais e ou
econômicas.
No Brasil, embora convivamos com
assimetrias reais que vão desde uma diversidade cultural muito rica até
realidades econômicas muito diferentes, adotamos um federalismo simétrico do
ponto de vista constitucional.
A adoção de um federalismo
assimétrico (juridicamente) no Brasil deve buscar a superação das assimetrias
sociais e econômicas e não perpetuá-las. Este é um problema que deve ser
enfrentando e uma crítica que pode surgir à adoção de tal proposta. O
federalismo assimétrico serve apenas para manter e reconhecer as diferenças,
como no caso Belga e canadense ou pode servir para superar assimetrias?
O federalismo assimétrico pode
efetivamente ajudar a manter a unidade em países como Bélgica e Canadá, que têm
grandes diversidades culturais que se mostram em certos momentos quase que
insuperáveis. Entretanto, nos parece obvio, que, se de um lado este modelo
federal reconhece as diversidades populacionais e econômicas, não condena
nenhum Estado membro (ente federado) a condição de subalternidade, o que seria
claramente inaceitável por países formados por grandes diversidades étnicas e
logo culturais, lingüísticas e econômicas como Bélgica, Canadá, Rússia, Suíça e
citando um caso que não deu certo, a Iugoslávia.
O modelo federal proposto para o
Brasil não seria, entretanto de um federalismo assimétrico nestes termos. Como
já discutido, poderíamos seguir um modelo de federalismo simétrico com as
reformas essenciais demonstradas ou então um federalismo unicameral como
ocorre, por exemplo, com a Venezuela.
Surge então uma outra pergunta: um
federalismo unicameral é necessariamente assimétrico? A resposta é não.
Vejamos.
A inexistência do Senado nos
sistemas unicamerais pode levar a uma apressada conclusão de que, no
federalismo, a representação dos Estados membros (entes federados) seja feita
pela Câmara de deputados que necessariamente teria uma representação
proporcional de acordo com a população de cada Estado. Em primeiro a escolha
dos representantes na Câmara não precisa ser feita pelo sistema distrital
proporcional com circunscrições equivalente ao território do Estado como ocorre
hoje no Brasil. A forma de escolha dos representantes do povo pode ser pelo
sistema distrital majoritário[1],
distrital misto[2],
distrital proporcional (onde os distritos ou circunscrições eleitorais não
correspondam ao território dos estados membro) ou ainda pelo sistema
proporcional puro[3]. Só isto
já elimina qualquer suspeita de favorecimento de qualquer estado. Além disto, o
equilíbrio federal ocorre efetivamente por meio de uma justiça fiscal com a
distribuição de recursos de forma justa, buscando o cumprimento do principio da
redução das desigualdades regionais e sociais. O equilíbrio federal com
equidade deve ser construído com políticas públicas, políticas fiscais e
equidade financeira e orçamentária fundadas sobre o principal constitucional de
observância obrigatória de redução das desigualdades regionais e sociais.
O
SENADO EM OUTROS ESTADOS
NACIONAIS
Ao realizar um estudo comparado, especialmente
na realidade europeia, percebemos que há uma característica comum ao Senado: o
Senado funciona como uma espécie de superego da nação, uma casa conservadora
que não detém as mesmas competências que a Câmara (casa de representação
popular e por este motivo quase sempre mais importante), e que funciona muitas
vezes apenas para vetar ou protelar a entrada em vigor de uma lei, levando a
Câmara a rediscutir e, portanto, repensar determinada matéria. Outra
característica comum do Senado e a representação dos interesses regionais. Para
o exercício desta função o Senado detém competências próprias ligadas a estes
interesses, onde, em geral detém a palavra final. Apenas nestas matérias.
Portanto conservar, evitar mudanças bruscas e representar interesses
territoriais é a função preponderante do Senado, que por este motivo não têm as
mesmas competências e a mesma força da casa legislativa popular. Importante que
se diga que isto não é regra geral existindo uma enorme variedade de sistemas.
No parlamentarismo e comum que apenas a Câmara de deputados escolha o governo e
logo possa também derrubá-lo, mas há exceções: na Itália o Senado também
participa da escolha e da derrubada do governo. Não se pode dizer que o sistema
italiano sirva de modelo, uma vez que te se mostrado extremamente instável. De
1947 até hoje o Itália teve mais de cinqüenta governos, o que dá uma média de
quase um governo por ano.
Devemos conservar, barrar mudanças,
ou criar um sistema que acompanhe as transformações rápidas das sociedades
contemporâneas? Necessitamos de um Senado para defender os poderes locais ou
precisamos efetivamente de uma revisão do pacto federativo que descentralize
recursos e competências para os estados membros e municípios?
Prosseguindo com a análise comparada
vamos citar alguns exemplos específicos, despertando nos leitores a curiosidade
para que busquem outros exemplos. Se o leitor quiser defender o nosso sistema
basta buscar exemplos no sistema norte-americano. Lembro, entretanto, que este
sistema tem se mostrado arcaico e pouco democrático, fundado em eleições
indiretas para presidente com forte presença dos grupos de pressão organizados
de setores econômicos e financiamento privado de um sistema muito caro em um
bipartidarismo que chega facilmente a unanimidade quando se trata de sistema
econômico. A proliferação dos mecanismos de controle sobre a população
(especialmente dos pobres, hispânicos e árabes) e dos órgãos internos de
inteligência soma-se uma mídia concentrada e comprometida com os interesses
econômicos da indústria armamentista e petrolífera. Lembramos ainda que este
bipartidarismo no bicameralismo presidencial norte-americano, só funciona,
devido a características históricas especificas, entre elas o fato de
inexistência de uma oposição ideológica efetiva ou algum partido de expressão
que apresente alternativas ao modelo sócio-econômico dominante. As eleições
norte-americanas são muito desacreditadas entre a população pobre que não vê
perspectivas de mudança de vida. A participação nas eleições estaduais é muito
inferior ao percentual de 50% do eleitorado enquanto as eleições presidenciais
alcançam em média este patamar.
Podemos buscar um exemplo do outro
lado do mundo: o Japão. Neste país o Congresso Nacional tem o nome de Dieta e é
composta por duas câmaras: a Câmara de representantes (equivalente aos
deputados) e a Câmara de Conselheiros (equivalente ao Senado). Os deputados têm
mandato de quatro anos enquanto os conselheiros têm mandato de seis anos,
característica comum do bicameralismo, onde o mandato do senador é em geral
maior do que dos deputados, justamente acentuando o caráter conservador daquela
casa. A Câmara de Representantes é mais poderosa e conta com maior numero de
membros (em torno de 500 membro de acordo com os cálculos realizados para a
eleição distrital que antecede as eleições), enquanto que o Senado (Câmara de
Conselheiros) têm a metade deste numero. Só a Câmara de Representantes
(deputados) participa da escolha e queda do governo. Normalmente um projeto de
lei se inicia e se aprova na Câmara de Representantes sendo que a Câmara de
Conselheiro pode apresentar emendas que
podem ser derrubadas pelos Representantes.[4]
Um caso interessante de federalismo
bicameral complexo e assimétrico é o da Bélgica. Este país une duas etnias
preponderantes (valões de fala francesa e flamengos de fala holandesa), além de
uma minoria alemã expressiva. Para superar as diversidades ainda hoje muito
acirradas, as reformas constitucionais de 1893, 1899 e 1921 introduziram a
representação proporcional e a igualdade lingüística. Desde 1970 a Constituição
reconheceu comunidades lingüísticas com bastante autonomia e competências
importantes em matéria de educação. Esta descentralização constante culminou com
a adoção do federalismo em 14 de Julho de 1992. O Senado belga não tem as
mesmas competências da Casa dos Representantes (deputados) e cumpre uma função
de manutenção da unidade territorial belga constantemente ameaça pelos
conflitos e preconceitos entre flamengos e valões. Como curiosidade para a percepção da
complexidade deste Estado Federal assimétrico citamos o professor Bruno
Burgarelli Albergaria Kneipp quando analisa a composição do Senado belga:
“O Senado possui setenta e um
membros, assim escolhidos:
a) vinte e cinco senadores eleitos
pelo colégio eleitoral holandês;
b) quinze senadores eleitos pelo
colégio eleitoral francês;
c) dez senadores indicados pelo
Conselho da Comunidade Flamenga;
d) dez senadores indicados pelo
Conselho da Comunidade Francesa;
e) um senador indicado pelo Conselho
da Comunidade de fala alma;
f) seis senadores indicados pelos
senadores referidos nas letras a) e c);
g) quatro senadores indicados pelos
senadores referidos nas letras b) e d).
Para complicar mais um pouco, existem
mais regras acerca dessa distribuição. Um dos senadores da letra a), c) e f)
deverá ser legalmente residente no dia de sua eleição na Região Bilíngüe de
Bruxelas-Capital; seis dos senadores das letras b), c) e g) deverão ser
legalmente residentes no dia da eleição também na Região bilíngüe de
Bruxelas-Capital.”[5] O total
de senadores belgas deve sempre se basear na proporcionalidade existente entre
os diversos grupos lingüísticos. Um detalhe curioso: a remuneração dos
senadores e inferior a remuneração dos deputados.
O federalismo alemão é um exemplo
importante de federalismo de cooperação, especialmente após a incorporação da
República Democrática da Alemanha (Alemanha oriental socialista) pela República
Federal da Alemanha (Alemanha ocidental capitalista). Na linha do que temos
demonstrado ate aqui, o Senado não tem as mesmas competências da Câmara de
deputados não tendo a mesma importância desta. Esta ultima escolhe o governo e
pode derrubá-lo. Um dado interessante do Senado como casa de representação dos
“Lander” é o fato dos Senadores serem membros dos governos estaduais o que
garante a efetiva representação dos interesses dos entes federados estaduais
por meio de seus governos eleitos. Muitas vezes os próprios
ministros–presidentes dos “Lander” (que seriam o equivalente aos nossos
governadores) representam seus Estados. Cada “Land” só necessita enviar um
representante para o “Bundesrat” (Senado) uma vez que todos os votos de cada
estado membro devem ser no mesmo sentido. Em nível estadual a Baviera é o único
estado membro que adota o sistema bicameral com a adoção de um senado estadual.[6]
A França não é um estado federal,
mas como muitos outros estados unitários tem um Senado que não detém as mesmas
competências nem a mesma importância da Câmara de deputados, não participando
da escolha do governo e de sua derrubada. O Senado francês é escolhido de forma
indireta representando as coletividades territoriais da Republica. O numero de
cadeiras no Senado é de 322 onde 296 representam os departamentos metropolitanos,
8 para os departamentos “d’outre-Mer”, 4 para os territórios “d’outre-Mer” e 12
para os franceses estabelecidos fora da França. O sistema de representação das
coletividades territoriais é proporcional sendo que cada departamento tem
direito a uma cadeira até 154.000 habitantes e mais uma cadeira para cada
250.000 habitantes. O mandato dos senadores é de nove anos, superior aos quatro
anos dos deputados. A renovação do senado ocorre na proporção de um terço a
cada três anos. O senado francês participa do processo legislativo mas a
vontade da Câmara de Deputados sempre prevalece. A inferioridade do Senado se
caracteriza também pela impossibilidade deste oferecer um voto de desconfiança
em relação ao governo. Existem, entretanto, alguns domínios onde o
bicameralismo francês se mostra igualitário. É o caso da adoção de leis
constitucionais e leis orgânicas relativas ao Senado.
A Espanha adota uma forma de
organização territorial “sui generis” classificada como uma forma altamente
descentralizada de organização territorial, estado regional ou regionalizado ou
como preferimos, estado autonômico, terminologia adotada por constitucionalista
espanhóis. O Congresso nacional espanhol, o legislativo nacional, e chamado de
“Cortes Gerais”. Seguindo a linha dos outros sistemas bicamerais já citados,
seja em estados federais, seja em estados unitários ou regionais, o Senado não
tem a mesma competência da Câmara de Deputados, mostra-se como uma casa
inferior que não participa da escolha do governo ou de sua derrubada e que tem
como característica fundamental a representação de interesses regionais. A
tramitação de projetos e das disposições de leis inicia-se sempre no Congresso
de Deputados, mesmo que a iniciativa seja do Senado. A competência do Senado
não é simétrica com a do Congresso dos Deputados para a produção legislativa
uma vez que só cabe a proposição de emendas ou o veto ao conjunto do projeto
enviado pelo Congresso de Deputados, com o voto da maioria absoluta do Senado.
A aprovação de emendas ou o veto do Senado produz o reenvio do texto para a
reconsideração dos deputados, que podem por sua vez se manifestarem por maioria
simples sobre as emendas do Senado. No caso de veto este pode ser derrubado por
maioria absoluta do Congresso de deputados.[7]
Poderíamos citar diversos outros
exemplos mas não é necessário. Estes confirmam os casos mencionados.[8]
O
SENADO NÃO É ESSENCIAL AO FEDERALISMO NÃO SE CONSTITUINDO, PORTANTO, EM CLÁUSULA PÉTREA.
Diante do que já foi dito
sobre equilíbrio federal percebemos com bastante clareza que não se constitui a
existência do Senado em uma cláusula pétrea, justamente pelo fato de que sua
inexistência não afetar o federalismo. Acrescente-se ainda a constatação aqui
feita, de que sua configuração atual fere a Constituição trazendo desequilíbrio
na representação popular, perpetuando privilégios locais por meio do familismo além
de não cumprir sua função de representação dos Estados.[9] Existem
várias formas de Estados Federais no mundo contemporâneo. Podemos perceber com
clareza o movimento em direção a uma acentuada descentralização, que os Estados
democráticos do mundo vêm construindo.
O federalismo clássico
constitui-se no modelo norte-americano, formado por duas esferas de poder, a
União e os Estados-membros (federalismo de duas esferas[10]),
e de progressão histórica centrípeta, o que significa que surgiu historicamente
de uma efetiva união de Estados anteriormente soberanos, que abdicaram de sua
soberania para formar novas entidades territoriais de direito público, o Estado
federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e a União (pessoa
jurídica de direito público interno), uma das esferas de poder, ao lado dos
Estados-membros, diante dos quais não se coloca em posição hierárquica
superior.
Importante ressaltar,
neste ponto, alguns aspectos importantes:
1. O federalismo clássico de duas esferas
diferencia-se de outros Estados descentralizados, como o estado autonômico,
regional ou unitário descentralizado, pelo fato de ser a única forma de Estado
cujos entes territoriais autônomos detêm competência legislativa
constitucional, ou, em outras palavras, um poder constituinte decorrente.
Assim:
1.1 No Estado unitário descentralizado,
as regiões autônomas recebem, por lei nacional, competências administrativas,
caracterizando a descentralização pela existência de uma personalidade jurídica
própria e eleição dos órgãos dirigentes. Esta descentralização de competências
administrativas pode ocorrer em nível municipal, departamental ou regional, em
um nível ou em vários níveis simultaneamente. Exemplo: a França.
1.2 No Estado regional, as regiões
autônomas recebem competências administrativas e legislativas ordinárias,
elaborando o seu Estatuto, mas sempre com o controle direto do Estado nacional
(é o modelo italiano, onde, embora a Constituição da Itália de 1947 mencione
este Estado como sendo unitário, as transformações por que vem passando fazem
com que os teóricos classifiquem-no hoje como modelo de Estado altamente
descentralizado: um Estado regional).
1.3 No Estado autonômico espanhol, outro
modelo altamente descentralizado, ocorre uma descentralização administrativa e
legislativa ordinária, diferenciando-se este modelo de Estado regional pela
forma ímpar de constituição das autonomias, onde a Constituição Espanhola de
1978 permitiu que a iniciativa partisse das províncias para constituírem
regiões autonômicas e que estas elaborassem seus Estatutos, que, para terem
validade, devem ser aprovados pelo Parlamento Nacional, transformando-se em lei
especial.
1.4 Já no Estado federal, os entes
descentralizados detêm, além de competências administrativas e legislativas
ordinárias, também competências legislativas constitucionais, o que significa
que os Estados membros elaboram suas Constituições e as promulgam, sem que seja
possível ou necessária a intervenção do Parlamento Nacional (no nosso caso, do
Congresso Nacional) para aprovar esta Constituição estadual (como é necessário
em relação aos Estatutos das regiões autônomas no Estado regional e no Estado
autonômico), que sofrerá apenas um controle de constitucionalidade a posteriori. Não há, portanto,
hierarquia entre Estados-membros e União.
1.5 Não estamos considerando, como
característica diferenciadora entre estes tipos de Estados, a descentralização
de competências judiciais.
1.6 O grau de descentralização ou o número
de competências legislativas e administrativas transferidas aos entes
descentralizados também não é hoje mais elemento diferenciador, uma vez que
existem Estados federais centrífugos onde o número de competências legislativas
e administrativas dos estados-membros é inferior ao de regiões autônomas. O
nosso federalismo é, ainda, um dos modelos mais centralizados, bastando, para
confirmar esta afirmativa, ler a distribuição de competências legislativas e
administrativas nos artigos 21
a 24 da Constituição Federal de 1988, para verificar a
concentração de competências na União, em detrimento dos Estados-membros e
Municípios.
Portanto, o que
caracteriza o federalismo, o seu elemento essencial sem o que não se pode falar
em federalismo, é a descentralização de competências constitucionais (o poder
constituinte decorrente)[11].
A existência ou não de um Senado Federal não é um elemento essencial mas apenas
uma característica de um tipo federal. A partir da Constituição de 1988, os
municípios brasileiros não só mantém sua autonomia como conquistam a posição de
ente federado, podendo, portanto, elaborar suas Constituições municipais
(chamadas pela Constituição Federal de leis orgânicas), auto-organizando os
seus poderes executivo e legislativo e promulgando sua Constituição sem que
seja possível ou permitida a intervenção do legislativo estadual ou federal
para a respectiva aprovação. O que ocorrerá com as Constituições municipais
(leis orgânicas) será apenas o controle a
posteriori de constitucionalidade o mesmo que ocorre com os Estados
membros.
Alguns autores têm
rejeitado a idéia do município como ente federado, por ser uma idéia nova, mas
seus argumentos (ausência de representação no Senado, impossibilidade de
falar-se em União histórica de municípios, ausência de poder judiciário no
município) são frágeis ou inconsistentes diante da característica essencial do
federalismo, que difere esta forma de Estado de outras formas descentralizadas,
que é a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências legislativas
constitucionais nos entes federados. Apenas no Estado Federal ocorre a
descentralização de competências constitucionais.
Quanto à existência de um
processo histórico de união, esta não existiu no Brasil, assim como em vários Estados
federais pelo mundo. A formação de nosso Estado Federal ocorreu de forma
fictícia, onde ocorre uma União constitucionalmente construída a partir de
1891, mas sem a existência de um processo histórico de união do que estava
separado, uma vez que o Brasil já nasce unido, tendo a nossa primeira
Constituição de 1824, estabelecido um Estado unitário.
O argumento da negação do
município como ente federado fundado em idéia de inexistência de representação
dos municípios no Senado não procede. Como já mencionado, existem Estados
federais não bicamerais (a Venezuela é unicameral), assim como ocorre o
bicameralismo em Estados unitários (França), regional (Itália), autonômico
(Espanha), sendo que, no caso brasileiro, o nosso Senado não é apenas uma casa
de representação dos Estados, mas cumpre também uma função revisora e
conservadora, caracterizada pela duração do mandato e forma de renovação de
suas cadeiras, como também estudado anteriormente.
CONCLUSÃO
Uma
primeira conclusão reside na constatação da necessidade de reforma de nosso
sistema representativo que pode seguir duas direções: a manutenção de um
bicameralismo em um federalismo simétrico com a especialização das duas casas ou
a adoção de um federalismo unicameral também simétrico.
A manutenção do atual sistema se mostra
irracional e prejudicial aos interesses populares, portanto ofensivos à
democracia representativa e participativa que estamos construindo em nosso país
após 1988.
A transformação de nosso Senado em
casa conservadora e investigadora ofende a vontade popular. Não há no Senado
nenhuma discussão de grandes projetos de transformação das instituições e da
sociedade brasileira. Assistimos a uma sucessão de CPI’s que refletem brigas
políticas e a tentativa de permanente desestabilização do governo para se alcançar
o poder.
Discussões importantes, como o pacto
federativo, são deixadas de lado para atender a busca de manchetes em jornais e
revistas como uma casa que investiga (o que é função da polícia). O Senado
nestes termos tem se alçado a uma falsa condição de guardião da moralidade.
Quando o legislativo, no lugar de debater grandes temas nacionais, se impõe
como sua principal função a investigação, corre o risco de se mostrar
desnecessário perante a opinião pública brasileira, uma vez que assume uma
função para qual não tem competência técnica.
A característica conservadora
demonstrada neste ensaio, assim como a ausência de uma postura de defesa dos
interesses dos estados membros, que possa compensar a inexistência de
mecanismos processuais constitucionais adequados para o exercício desta função
de representação dos entes federados, tem transformado o Senado em uma casa
protelatória, que inviabiliza a aplicação de políticas públicas adequadas, que
são exigidas com maior rapidez diante de um mundo em constantes e rápidas
mudanças.
A adoção de um federalismo
descentralizado e unicameral, mantendo-se a simetria jurídica como mecanismo de
busca da redução das desigualdades regionais e sociais, pode ser um importante
mecanismo de transformação de nossa sociedade. O poder executivo tem se
mostrado, em nossa história democrática recente, como o poder mais próximo das
aspirações populares, e para que este poder exerça de forma adequada suas funções,
necessita de um legislativo ágil, transparente, e que repercuta a vontade do
povo por meio de um diálogo permanente. É necessário para o país um diálogo
permanente entre executivo e legislativo fundado em idéias e projetos nacionais
e não em suspeitas, delações, ameaças e investigações que têm, na maioria das
vezes, finalidade de desestabilização do governo. Não podemos manter a lógica
de uma oposição que faz de tudo para inviabilizar o governo para chegar ao
poder. Quando esta oposição vira situação então é a vez da antiga situação,
agora na oposição, fazer de tudo para prejudicar o novo governo para então
voltar ao poder. Quem perde com isto somos todos nós.
Um legislativo ágil, que se renova a
cada eleição, e que responde à necessidade de debate e construção de projetos
nacionais demandados pela população, e, portanto, em constante dialogo com a
população e com o executivo, pode ser um importante instrumento de
transformação posto a serviço do povo. A isto poderíamos somar o fim da
profissionalização da política e dos políticos com a generalizada proibição da
reeleição, mas isto já é outra conversa.
[1] Em cada
distrito eleitoral é realizada uma eleição majoritária que pode ser em um ou
dois turnos para a escolha do deputado daquele local.
[2] A
combinação do sistema distrital majoritário e distrital proporcional ou mesmo o
proporcional puro, onde um percentual de vagas no parlamento é preenchida por
um e outro sistema, como ocorre hoje na Alemanha.
[3] Já
estudados anteriormente neste texto.
[4]
MARGADANT, Guillermo F. El Derecho Japonês actual, Editora Fondo de Cultura
Econômica, México, 1993, página 38.
[5]
KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. Federalismo belga: a busca da superação da
intolerância, in, MAGALHAES, José Luiz Quadros, Pacto Federativo, Editora
Mandamentos, Belo Horizonte, 2000, pág. 116.
[6] STEIN,
Ekkerart. Derecho Político, editora Aguillar, Madrid, 1983, pág. 49.
[7]
PECES-BARBA, Gregório. La Constitucion
Espanola de 1978 – un estúdio de derecho e política, Fernando
Torres-editor, Valencia, 1984, pág.67.
[8]
Obra de leitura obrigatória é a do Professor José Alfredo de Oliveira Baracho,
Teoria Geral do Federalismo, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1986. O professor
Baracho, como carinhosamente er chamado pelos seus alunos, construiu uma obra
de referencia em matéria de Direito Constitucional, Teoria do Estado e da
Constituição.
[9] Um
aspecto interessante do nosso Senado é o fato do Senador poder pertencer a
partido ou coligação diferente do governo estadual. Isto na prática política
pode muito mais prejudicar o estado do que ajudá-lo. Em países como Canadá e
Alemanha, o Senador deve ser indicado ou mesmo membro do governo estadual, só
assim haverá a correta representação dos interesses do estado membro, que tem
um governo legitimamente eleito pelo voto popular. No caso canadense ocorre uma
outra preocupação: pode ocorrer que a maioria dos governos estaduais seja de
partido ou coligação diferente do governo federal. Como o sistema canadense é
parlamentar, os governos seriam sempre viáveis uma vez que sempre teriam
maioria na Câmara. Neste caso, entretanto, embora com maioria na Câmara o
governo enfrentaria um Senado hostil, o que prejudica a aplicação das políticas
governamentais.
[10] A
literatura sobre federalismo usa a denominação “federalismo de dois níveis”
para referir-se aos modelos federais em que coexistem as esferas de governo da
União e dos Estados-membros. Para tratar do federalismo brasileiro, que incluiu
os municípios como mais uma esfera, é comum encontrarmos a expressão
“federalismo de três níveis”. No entanto, faremos uso neste trabalho, apenas da
denominação “esferas da federação”, ao invés de “níveis da federação”. Isto
porque a palavra nível dá a idéia de hierarquia, o que inexiste na forma
federal de Estado, na relação entre seus entes.
[11]
Já estudamos no nosso livro Direito
Constitucional, (Direito Constitucional, Tomo II, Editora Mandamentos, Belo
Horizonte, 2002, as características principais do Estado federal. Deixamos
claro que o que difere o Estado federal de outras formas descentralizadas de
organização territorial do Estado contemporâneo é a existência de um poder
constituinte decorrente, ou seja, a descentralização de competências
legislativas constitucionais, em que o ente federado elabora sua própria
Constituição e a promulga, sem que seja possível ou necessário a intervenção ou
a aprovação dessa Constituição por outra esfera de poder federal. Isso
caracteriza a essência da federação, a inexistência de hierarquia entre os
entes federados (União, Estado e municípios no caso brasileiro), pois cada uma
das esferas de poder federal nos três níveis brasileiros participa da
soberania, ou seja, detém parcelas de soberania, expressas nas suas competências legislativas constitucionais, ou
seja, no exercício do poder constituinte derivado. Não estamos afirmando que os
Estados-Membros, a União e os municípios são soberanos, pois soberano é o
Estado federal e a expressão unitária da soberania, ou seja, sua manifestação
integral, só ocorre no poder constituinte originário. O que afirmamos é que no
Estado federal, além da repartição de competências legislativas ordinárias, administrativas
e jurisdicionais, há também – e isso só ocorre no Estado Federal – a repartição
de competências legislativas constitucionais. Essa repartição de competências
constitucionais implica a participação dos entes federados na soberania do
Estado, que se fragmenta nas suas manifestações. Entretanto, esse poder
constituinte decorrente, embora represente a manifestação de parcela de
soberania, não é soberano, por esse motivo deve ser um poder com limites
jurídicos bem claros, que podem ser materiais, formais, temporais e
circunstanciais. A Constituição de 1988 estabelece limites materiais expressos
e obviamente implícitos, deixando para o poder constituinte decorrente, que é
temporário (assim como o originário), prever o seu funcionamento e o funcionamento
do seu próprio poder de reforma e seus limites formais, materiais,
circunstanciais e temporais. O poder constituinte decorrente é de segundo grau
(se dos Estados-Membros) e de terceiro grau (se dos municípios), subordinados à
vontade do poder constituinte originário, expressa na Constituição Federal.
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