Entrevista Milton Santos - na revista Caros Amigos- 1998- para lembrar e aprender
A placidez, a serenidade, a fala lenta e pausada, os gestos
naturais, os silêncios, o sorriso permanente, a risada aberta e
gostosa, tudo nele irradia humanidade. Estar a seu lado traz a
segurança de estar perto da sabedoria. Milton Santos é o retrato da
própria frase que disse a certa altura da entrevista, referindo-se a
outra pessoa: "Quem ensina, quem é professor, não tem ódio". Por isso,
mesmo ao dizer coisas explosivas como as que deixou aqui registradas,
ele não perde a ternura.
E não pára de trabalhar, ensinando geografia na USP, fazendo
conferências e estruturando um livro promissor: O Mundo Pós-
Globalizado - O Período Popular da História.
Entrevistadores: Marina Amaral, Sérgio Pinto de Almeida, Leo Gilson
Ribeiro, Georges Bourdoukan, Roberto Freire, João Noro, Sérgio de
Souza.
"A política é feita pelas grandes empresas. Os políticos não fazem
política, nem o Estado - são porta-vozes. Os pobres fazem política."
"Os negros ainda sorriem, mas vão começar a ranger os dentes. O que é
preciso é que eles queiram ser a nação brasileira."
Mestre Milton
Sérgio de Souza - Professor, usualmente pedimos ao convidado que
comece falando sobre a sua origem, seu caminho inicial.
Milton Santos - Não tenho muita simpatia por essa forma de começar,
primeiro por achar que é um pouco estilo americano (risos); segundo,
porque obriga a gente a ficar nu (risos), o que pode ser perigoso.
Sou baiano, venho de uma família de professores do lado materno, meu
avô e minha avó eram professores primários, mesmo antes da abolição.
Do lado paterno, devem ter sido escravos, não sei muito bem, porque em
minha casa me ensinaram a olhar mais para a frente do que para trás.
Meu pai também acabou sendo professor primário, de modo que nasci numa
família que - antes da criação do que se chama hoje classe média - era
uma família remediada, humilde mas não pobre, e que tentou me dar uma
educação para mandar, para ser um homem que pudesse, dentro da
sociedade existente na Bahia, conversar com todo mundo.
Sérgio Pinto de Almeida - Em Salvador?
Milton Santos - Em Salvador. Quer dizer, nasci no sertão, porque
naquele tempo tinha que ir chegando devagar para a capital, nasci no
sertão por acaso, por que estavam lá meus pais, ensinando em Brotas de
Macaúbas.Aos oito anos terminei o meu primário em casa, nunca segui
uma escola primária. E, como para ir para o ginásio tinha de esperar
dois ano, meus pais ficaram me ensinando álgebra, francês e boas
maneiras.Aos dez anos fui ser aluno interno num colégio na capital da
Bahia, naquele tempo havia talvez seis cidades que tinham ginásio em
todo o Estado.
Leo Gilson Ribeiro - Internato religioso?
Milton Santos - Não, leigo, freqüentado por uma classe média média.
Daí, lá mesmo comecei a ensinar, antes de ir para a faculdade.Morei
nesse colégio dez anos - quando terminei, continuei morando lá,
ensinando, e fui para a faculdade de direito, da qual saí formado há
exatamente cinqüenta anos, em 1948.Fui aluno forte em matemática, mais
havia uma notícia generalizada de que a Escola Politécnica não tinha
muito gosto em acolher negros, então fui aconselhado fortemente pela
família - tinha um tio advogado - a estudar direito, e daí mudei para
a geografia, que comecei a ensinar desde os quinze anos.
Leo Gilson Ribeiro - O preconceito era tão forte assim a ponto de
haver uma divisão de escolas?
Milton Santos - Havia essa idéia. Na realidade, alguns negros
conseguiram entrar, mas havia crença na sociedade baiana, na sociedade
negra em particular, de que os obstáculos na Politécnica eram
maiores.E, como eu ia estudar direito, deixei de lado a matemática,
mas ela não me deixou, porque, quando a gente aprende bem alguma
coisa, aquilo fica. E passei para a geografia, que acabou sendo a
minha atividade central. Terminada faculdade de direito, onde os meus
professores, todos, de um lado empregavam os filhos e de outro nos
diziam que não devíamos ser funcionários públicos porque era feio ser
funcionário público, me levaram a acreditar nisso, e decidi fazer
concurso para professor secundário. Naquele tempo, professor não era
funcionário, não se comportava como funcionário, queria ser
intelectual. Isso acabou, mas naquele tempo era assim. Aí fui ser
professor secundário em Ilhéus, que era a cidade mais promissora....
Leo Gilson Ribeiro - Cacau...
Milton Santos - Tinha o cacau, eu era melhor pago do que se estivesse
na capital. Fiquei lá alguns anos, já escrevendo no jornal, porque o
dono do A Tarde, o ministro Simões Filho, me havia descoberto, e me
levou a ser correspondente do jornal em toda a região do cacau, aí
comecei a escrever. Pouco depois fui para Salvador, onde continuei
ensinando no ginásio e comecei a ensinar na Universidade Católica, me
preparando para entrar na universidade pública federal, onde fiz
concurso em 1960, depois de terminar meu doutorado em geografia na
França.
Leo Gilson Ribeiro - O que levou o senhor à geografia era mais o
conhecimento físico da geografia, ou sociológico?
Milton Santos - Sociológico. Desde menino, a noção de movimento me
impressionava, ver as pessoas se movendo, as mercadorias se movendo. A
noção de movimento de idéias veio depois, mas a das mercadorias, das
coisas, das pessoas talvez tenha me levado para a geografia. Também um
fato, e muito importante: no ginásio, o livro de texto era o Geografia
Humana, de Josué de Castro. Era uma espécie de história contada
através do uso do planeta pelo homem. Aquilo me impressionou. Eu tinha
tido um professor muito importante, também, Oswaldo Imbassay, então a
confluência de um professor importante, de um livro importante, as
explicações do mundo, de como a sociedade se relacionava com o meio, a
teoria do possibilismo, determinismo, tudo isso a gente aprendia no
segundo, terceiro ano de ginásio. Era ao mesmo tempo um debate
filosófico sobre o destino do homem, a presença do homem na Terra e o
seu destino, e a história do mundo se fazendo através da produção do
espaço geográfico.
Leo Gilson Ribeiro - Mas havia também uma configuração ideológica, de
como a sociedade estava estruturada do ponto de visto econômico,
social?
Milton Santos - O Josué imprimia isso, porque tomava partido
claramente pela noção do possibilismo, quer dizer, o homem capaz de,
frente ao meio, mostrar-se forte e modificá-lo. Toda teoria de Josué,
que nunca teve no Brasil um reconhecimento cabal, porque os geógrafos
oficiais não gostavam muito dele. Outra coisa importante no Josué era
o domínio da palavra, a elaboração do discurso, que é a forma de
chegar mais adiante.
Roberto Freire - Isso tudo acabou...
Milton Santos - Acabou, e a geografia aparecia em tudo isso. E
aparecia juntamente com a filosofia, a psicologia. Meu professor foi
Hebert Parente Fortes, impressionante figura, grande professor,
sobretudo porque não dava muita aula, e um grande professor não pode
dar muita aula, tem de dar algumas aulas que marquem os seus alunos,
era o caso dele. Então, toda essa confluência, história da filosofia,
lógica, história da literatura, história das idéias econômicas e etc.
que a gente aprendia antes de ir para a faculdade, isso constituiu um
embasamento às humanidades de então, que, me levando para a faculdade
de direito, me ajudaram no apego à geografia.
Georges Bourdoukan - O livro Geografia da Fome também o influenciou?
Milton Santos - Muito, Geografia da Fome, Geopolítica da Fome. Esse,
vamos dizer assim, aprendizado da generosidade, que aparece em Josué
de Castro, e essa vontade de oferecer uma interpretação
não-conformista, isso cala no espírito do menino e do jovem, essa
vontade de buscar outra coisa. Acho que ele teve sobre mim uma
influência extremamente grande.
Leo Gilson Ribeiro - Era, digamos assim, precocemente uma visão
terceiro-mundista?
Milton Santos - Claramente terceiro-mundista. E outra coisa que ele
introduziu na literatura foi a idéia, a noção de consumo, que vai
aparecer mais tarde com outras roupas. Ele dividia as pessoas em
função de consumir ou não consumir comida, e que tipo de comida.
Chegava até a dizer a diferença de quem comia trigo, quem comia
milho...(risos) Acho que o Josué foi um gênio.
Sérgio Pinto de Almeida - Professor, a observação que o senhor fez, do
jovem, o menino olhando o movimento das pessoas, das mercadorias, e
depois essa riqueza da escola pública, que certamente não há mais, já
não começa a surgir aí o seu interesse muito mais do que pela
geografia, o movimento, a coisa técnica, mas pelo embate ideológico,
com as leituras de Josué?
Milton Santos - (pausa) Quer dizer, parei um pouco porque é a
reinterpretação do que nos aconteceu. As provocações são boas, porque
às vezes a gente nem se deu conta de como as coisas nos aconteceram.
Eu imaginava que a minha posição progressista, entre aspas, tivesse
chegado muito mais tarde, agora estou vendo, pela sua pergunta, que
não foi bem assim. Na faculdade da Bahia, como na maior parte das
faculdades de direito, o ensino era extremamente conducente a uma
aproximação liberal do mundo. Então acho que deve ter havido certo
curto-circuito na ocasião, somado a aspectos biográficos. Quer dizer,
quando criei a Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros na
Bahia, os meus amigos do Partido Comunista se opuseram à minha eleição
para presidente, o medo deles era que não seria conveniente que um
negro fosse presidente de uma associação tão importante, porque ele
iria ter dificuldade de discutir com as autoridades. (risos). E eu,
menino, tolo e inexperiente, acabei perdendo a eleição. Possivelmente,
isso teve um efeito, quer dizer, eu na faculdade de direito, cercado
de gente da elite baiana, com vontade de triunfar, e aí vem um sujeito
e diz: "Olhe, você não pode". Então o meu caminho para o progressismo
oficial - lá dentro tinha essa formação -, possivelmente, fazendo essa
análise agora, tenha tido esse esbarrão, essa coisa. E esse
progressismo meu vai desabrochar quando vou para a França e descubro,
lendo os jornais, que havia um mundo diferente daquele que eu lia nos
jornais brasileiros, inclusive o meu mesmo.
Sérgio de Souza - Inclusive A Tarde.
Milton Santos - Inclusive A Tarde. Quer dizer, ir para a França, ler o
Le Monde, mesmo o Le Monde, e descobrir que o mundo era outra coisa,
isso teve um papel muito importante.
Marina Amaral - Interessante, o senhor falou tanto do Josué de Castro,
no Rio Grande do Sul os sem-terra têm uma escola de capacitação
profissional dos jovens que se chama Escola Josué de Castro. Esse
mesmo intelectual pouco mostrado para a minha geração é estudado por
eles.
Milton Santos - É que Josué morreu na hora errada. Ele morreu na
França, no momento em que a França estava preocupada em vender,
ampliar o comércio, os funerais deles foram muito acanhados, os
franceses não queriam chocar o governo brasileiro, porque queriam
vender, estavam chegando já à pré-globalização. E como o ensino hoje
em grande parte não tem muita vocação para o começo das idéias, as
origens dos conceitos, é muito mais pacotes do presente, então as
gerações como a sua devem ter tido um handicap desfavorável.
Georges Bourdoukan - As universidades não deveriam resgatar o trabalho
o Josué de Castro, porque ele continua mais atual do que nunca?
Roberto Freire - E desconhecido, não é?
Milton Santos - Creio que sim. Mas as universidades, a cada dia que
passa, têm a vocação do instantâneo. Os estudantes são conduzidos a
uma atitude igualmente produtivista. Então esses regressos às fontes
se torna difícil, mas não impossível, porque na juventude atual, de
alguma forma, a gente sente uma curiosidade pelo passado.
Roberto Freire - O senhor trabalha com o Josué com seus alunos?
Milton Santos - Quando cai dentro da temática. O meu trabalho central
hoje é de um lado tentar explicar o mundo, e fazê-lo a partir de uma
vontade de afirmar a minha disciplina, que é geografia humana. A minha
energia vai toda nessa direção, e os autores aparecem como nota
infra-paginal.
Georges Bourdoukan - Dentro de suas explicações, o senhor poderia
eleger os problemas principais do Brasil?
Milton Santos - Como geógrafo, creio que o território brasileiro é o
melhor observatório do que está se passando no país. Se olho o
território nacional brasileiro hoje, vejo primeiro que é um território
nacional, mas da economia internacional. Quer dizer, o esforço de quem
manda, no sentido de moldar o território - porque o território vai
sendo sempre moldado por quem manda -, é no sentido de favorecer o
trabalho dos atores da economia internacional. Não são apenas as
multinacionais estrangeiras, mas todas as grandes firmas estrangeiras
ou brasileiras, são elas que trazem para o território uma lógica
globalizante,. Na realidade, uma lógica globalitária, há mais do que
globalização, há globalitarismo. Então, temos os território brasileiro
trazendo esses nexos, que são cegos, e que criam uma ordem para essas
grandes empresas, trazendo desordem para tudo o mais. Desordem criada
para as empresas não envolvidas, que são atingidas por ela, por essa
entropia negativa dentro do território, que alcança toda a sociedade.
Então, o território revela também a incapacidade do governo quer
dizer, a não-governabilidade do país, porque o Brasil é um país
não-governado. Ao mesmo tempo em que o território revela que o
governo, a política, se faz pelas grandes empresas. São as grandes
empresas que fazem a política. isso se vê no uso do território
brasileiro.
Roberto Freire - O estático é nosso, o funcional é deles.
Milton Santos - Oferecemos mais que o estático, porque oferecemos
aquilo que não pode - isso seria a segunda parte do meu discurso - ser
objeto de redução. Que são corpos, os nossos corpos como gente, que
não são redutíveis. E o território que também é o nosso corpo, porque
o território nos inclui. Então isso leva a uma fragmentação, o
território brasileiro é fragmentado.
Georges Bourdoukan - É um novo tipo de feudalismo?
Milton Santos - Há um novo tipo de feudalismo, e de militarização de
território ao mesmo tempo. Porque tem de obedecer, tem de fazer
aquilo que manda o chamado mercado global. Vejam, por exemplo, as
áreas agrícolas mais modernas, como o Estado de São Paulo, que
funcionam segundo um regime militar, no sentido de ter que fazer
aquilo que lhes é ordenado - ou dá ou desce, ordem unida -, seguindo o
que é necessitado por essa ordem global. Digamos que a globalização dê
n'água, como vai dar, como o interior de São Paulo vai reagir? Quais
seriam os cenários? Uma enorme área vendendo suco de laranja, o que
acontecerá?
Georges Bourdoukan - É monocultura isso? O Estado de São Paulo
estaria repetindo o que fez o Nordeste no passado?
Milton Santos - Uma monocultura ligada a uma ordem global que não
existia antes, muito mais constrangedora do que as ordens
internacionais anteriores.
Sérgio de Souza - Seria programada agora?
Milton Santos - Programada, é a primeira vez que a divisão do trabalho
é programada, nunca foi antes. Isso é um problema. Então, quando a
gente faz falar o território - que é um trabalho que creio que é o
nosso, fazer falar o território, como os psicólogos fazem falar a
alma, como o Darcy Ribeiro quis fazer falar o povo, como Celso Furtado
quis fazer falar a economia-, o território também pode aparecer como
uma voz. E, como do território não escapa nada, todas as pessoas estão
nele, todas as empresas, não importa o tamanho, estão nele, todas as
instituições também, então o território é um lugar privilegiado para
interpretar o país. E uma boa parte dos brasileiros não se dá conta de
que o país está cada dia mais sendo fragmentado, e numa fragmentação
que não possibilita a reconstituição do todo. Porque o Estado nacional
se omitiu, e comando o território, naquilo que há de hegemônico, é
entregue às grandes empresas. Então, a reconstituição do todo
nacional, que os franceses chamam de lien social, a solidariedade, não
existe mais no Brasil. Vejam a maneira como se discute a previdência
social, desculpem usar esse argumento terrível, a forma como se trata
os aposentados - há um contrato da nação que cada pessoa cumpriu a
vida inteira, e no fim dizem a ela: "Esse contrato não vale mais". E
isso é aceito! Então os diversos capítulos do que seria a
solidariedade são bafoués, largados, e uma parte da sociedade aceita
como normal porque estamos "no caminho da modernidade, para ser
primeiro mundo". Então, há uma fragmentação da sociedade, do
território, junto com a governabilidade, que os prefeitos, sem saber
muito que se trata disso, estão descobrindo lentamente, tanto que
foram para Brasília reclamar. E foram recebidos por cachorros
policiais, mas não pelo presidente da República.
Sérgio de Souza - Um número espantoso.
Milton Santos - Espantoso, mas é isso: com o território se
fragmentando, a governabilidade se torna impossível. E aí a gente já
entra na segunda parte, que é a esquizofrenia do território. O
território brasileiro é esquizofrênico. Por quê? Porque de um lado,
recebendo esses insumos de modernização globalitária, ele se
fragmenta, se fragiliza. De outro lado, descobre que esse processo não
lhe convém, e talvez lhe falte descobrir qual é a lógica mais geral
que permite a produção de um discurso novo. Primeiro acadêmico, quando
possível também da mídia, e depois o discurso político.
Leo Gilson Ribeiro - Pelo que o senhor está dizendo, voltamos a ser
uma espécie de entreposto imenso, uma senzala, regida por uma pequena
casa-grande em que na parte de cima estão os estrangeiros e na de
baixo os testas-de-ferro brasileiros?
Milton Santos - Eu prefiriria pô-los, na medida em que neste fim de
século a economia é subordinada à política, as empresas fazem
política, sem aquela velha distinção anglo-saxã entre policy e
politics. A policy é como organizar a coisa para chegar a objetivos
individuais. E a politics é algo mais geral, filosófico, englobante.
Só que as empresas acabam fazendo política, porque a sua policy, a sua
politiquinha particular, privatística, cega, envolve todas as outras
áreas da vida social. As áreas todas são envolvidas por elas, então
elas fazem politics. E o Estado - a política do Estado, que também há
uma- é forte por se abster , essa abstenção é o que o faz mais forte
do que nunca , a serviço das empresas . E essas empresas nacionais que
antigamente eram chamadas de testas-de-ferro são hoje muito mais
importantes , porque o consenso no interior da nação resulta de um
trabalho desses empresários brasileiros que estão de acordo com
isso, para sobreviver. E com a vocação, que imagino que tenham, de ser
também globais. Então, as grandes empresas, para exercer seu papel
econômico, necessitam fazer política. È um dado do fim do século. Com
a globalização , elas fazem política através da produção de imagem,
através da necessidade de estabelecimento das regras, normas - na
medida em que a técnica tem um comando geral na vida produtiva, e a
técnica, ela própria, já é uma norma, não é isso?A técnica é uma norma
exigente de normas. Então as empresas precisam de normas . As normas
próprias e as normas em que sta estabelecido o ambiente- falo do
território , que é também normado - para que as empresas possam tirar
um melhor proveito. Então a política é a condição de realização da
economia. E é a razão pela qual a gente não pode tocar um esparadrapo
na boca dos economistas , mas também não pode deixá-los falar sozinhos
, porque eles conduzem o debate para um canto, o que não permite ver
o funcionamento global.
Roberto Freire - O senhor usou a palavra esquizofrenização - na
psiquiatria, o conceito de esquizofrenia é de divisão, o senhor
coloca muito bem essa divisão, é mesmo um processo esquizofrênico do
ponto de vista social.
Milton Santos - Mas tem o outro lado que os partidos ainda não foram
capazes de descobrir: essa união que está despontando entre todos os
excluídos de diversos níveis. Porque há o excluído do comércio, há o
excluído da pequena indústria, quer dizer , na economia, na sociedade,
na cultura
Georges Bourkan - Qual poderia ser esse traço de unidade?
Milton Santos - Acho que é essa exclusão , que aparece no primeiro
momento como provisória e que na verdade é definitiva, porque
aparece como algo que em remédio mas de fato não tem , exceto se
houver uma mudança civilizatória. Acho que há muito o que caminhar.
Mas já há uma...
Leo Gilson Ribeiro - Consciência...
Milton Santos - Não sei se é uma consciência, mas já há uma percepção.
E o caminho a fazer é passar da percepção à consciência.
Sérgio Souza - È aí que entraria , por exemplo o MST, que com
organização própria, independente de um poder maior, está não só
reivindicando, mas agindo? É uma mudança que estamos notando e que
talvez também surja na periferia, com esse movimento hip hop. Não sei
se é espontâneo, mas parece que aí estaria a novidade . Como o senhor
vê o MST?
Milton Santos - Primeiro vejo como esse grito que a maior parte de nós
não pode dar, não quer dar, que não nos convém dar. E creio que esse
fim de século é dos paradoxos. Paradoxo é a contradição em estado
puro, não é? Então, ao mesmo tempo em que o MST é criticado, ele é
apreciado, pelo que contam as pesquisas .
Marina Amaral- As pesquisas de opinião mostram uma simpatia até entrar
no saque, daí não há mais simpatia.
Milton Santos- Porque nos dizem que o direito é para ser obedecido,
quando na realidade ele é para ser discutido, pois o direito é o
resultado de um equilíbrio provisório que se cristaliza - mas a
sociedade continua dinâmica, então não se pode imaginar o direito
assim imóvel como o querem . São chavões. Como dizer e se diz, e a
própria esquerda fica calada: "Sindicato não pode fazer política".
Marina Amaral- É um absurdo dizer isso. A greve é política.
Milton Santos - A greve é política! Essa agora dos professores, o
ministro disse, reclamando: "Está claro agora que a greve é política".
(risos)
Georges Bourkan - Mas é que a palavra "política", hoje, políticos
oficiais sujaram de tal maneira, que quando se fala " a coisa é
política" pode parecer uma coisa mal intencionada.
Milton Santos - É que não são políticas. Não terminei a lista . A
política é feita pelas grandes empresas. Os políticos não fazem
política, o aparelho de Estado não faz política, são porta-vozes. O
povo faz política, os pobres é que fazem política . Porque conversam ,
porque conversando eles defrontam o mundo, e buscam enfrentar o mundo.
E agem, quando podem, em função do mundo. Creio que essa é a questão
do MST. Outro aspecto é que a organização é importante, a
desorganização também. A organização conduz obrigatoriamente a
palavras de ordem, a certa necessidade imposta. Tem que ter as duas
coisas . E, para voltar ao que o Sérgio sugeriu, o que as periferias
revelam é um pouco isso. Só que não estamos preparados para entender,
porque nosso aparelho cognitivo...
Roberto Freire - Está preparado para entender a forma tradicional,
que está na mão dos poderes.
Milton Santos - Está na mão nossa também, da universidade, da
faculdade. A gente quer repetir a interpretação do Brasil através do
que aprendeu na Europa e nos Estados Unidos com a classe média ,
porque pobres não havia . Na Europa em que essa geração estudou quase
não tinha pobre, a classe média era defensora da democracia e do seu
aperfeiçoamento. Tanto que houve a expansão da social- democracia,
que era jma forma de aperfeiçoamento da democracia . E os pobres
são tratados por nós , que apreendemos a epistemologia européia na
universidade , como o chantilly no bolo. A gente faz a construção,
depois coloca o pobre em cima. Partidos de esquerda também fazem isso.
Quer dizer, a construção toda é de classe média, e depois os pobres
são colados lá em cima, porque resta aquela idéia de que a classe
média queria defender os princípios fundamentais da humanidade e
que os pobres, coitados, não têm nenhuma possibilidade de ser
visionários, porque estão no dia-a-dia, " vivendo da mão para a boca".
O dia-a-dia era considerado pela antropologia e sociologia oficiais
como algo que impedia qualquer vocação para o futuro. Quando é o
contrário, porque quando tenho todos os dias que renovar meu estoque
de impressões, de conhecimentos, de luta, que é o que o povo faz, sou
obrigado a renovar também a minha produção filosófica, vamos assim
dizer . Quer dizer , todos os dias o povo se renova, e num país como o
Brasil, essa urbanização tão galopante, tão rápida, essa mudança de
lugar ( reivindico o assunto para minha área) tem um papel
extraordinário na produção desse homem, já não tão seguro, ainda que
ao mesmo tempo lhe ensinem que o consumo é bom, e o façam crer que ele
vai poder consumir. Há o bombardeio de informação, a tirania da
informação, que é um dos esteios centrais da globalização. Nunca foi
assim. E essa tirania da informação, essa ditadura da informação...
Sérgio de Souza - Da má informação, digamos, ou da informação em
geral? Porque a informação não pode ser má.
Milton Santos - Esta é minoritária .A própria universidade faz parte
desse processo, porque ela legitima, ela santifica aquela informação
doentia...
Roberto Freire - Deformada....
Milton Santos - Deformada mas que é geral.
Sérgio de Souza - O senhor seria uma exceção.
Milton Santos - Acho que há muitas.
Sérgio de Souza - Mas são minoria também dentro da universidade.
Milton Santos - Claro . Porque deve ter muita gente que não é
conhecida, mas como saem dali as idéias? A gente já escreve numa
língua própria, que é o facultes, e às vezes escreve numa língua
ainda mais restrita, que é o coleguês. A gente escreve para ser
apreciado pelo colega que vai nos julgar, que vai nos dar promoção.
Isso é uma prisão muito forte.
Roberto Freire - O carreirismo, a necessidade de se manter protegido
dentro da universidade. Se a pessoa sai muito disso, acaba sendo
criticada. O senhor não recebe críticas?
Milton Santos - Essa coisa civilizada da vida acadêmica tem uma
grande dose de hipocrisia, às vezes a gente nem abe da crítica, nem
tampouco vai se preocupar com isso, porque a decisão de dizer o que
pensa já inclui a possibilidade da crítica.
Roberto Freire - Mas o senhor pensa, diz o que pensa, e incomoda as pessoas.
Milton Santos - O papel do intelectual é esse.
Sérgio Pinto de Almeida - Professor, a sua obra, a sua produção; e
nós, que estamos fazendo uma revista cuja tiragem perto da Veja é
ínfima, são coisas tão pequnas comparadas à avalanche em contrário, me
dá a sensação de um deserto onde pipocam alguns pontos . claro, são
importantes e tal, mas me dá a impressão de que no futuro vão
consultar e dizer: "Um dia teve um professor que falou aquilo, teve
uma revista que publicou tal coisaa...". Dá a sensação de que é tão
avassalador o globalitarismo, são tão avassaladoras as teorias
neoliberais, a reengenharia e todos esses termos que surgiram, que a
gente fica: "Tudo bem, vamos continuar".
Milton Santos - Vou discordar da sua opinião. Não é assim.. Ao
contrário. Primeiro, que as idéias germinativas sempre foram
corajosamente sustentadas por poucos. Segundo que há uma grande
demanda dessas idéias. Não gosto de dizer, parece vaidade mas, é uma
informação: todos os dias sou convidado a falar aqui, ali e acolá, em
todo lugar do Brasil. E como eu, vários outros. Quer dizer , há uma
demanda disso e , na realidade, a ausência da grande mídia não é um
problema , porque há a consciência de que o trabalho tem de passar
por um grupo pequeno de pessoas nessa fase. Aí eu entraria noutra
coisa, que é a ditadura da informação, e informação criadora de mitos
e de símbolos que são a base da globalização. Ela é fundada num
sistema mitológico. Isso é menos visível porque as próprias coisas
são portadoras da ideologia hoje. A gente é cercado na vida cotidiana
por esses portadores de ideologia que são as coisas: o dinheiro, como
coisa que compra as outras coisas; o Real, que é mitológico e sobre o
qual partidos ainda não conseguiram encontrar um sistema de
discussão. Porque não produziram um sistema . Agora o que acontece? A
sociedade tem um movimento. O símbolo não, o símbolo é estático. E o
movimento da sociedade desprende o mito, desprende o símbolo. Tanto
que os outdoors são mudados com o propósito de recriar a propaganda
eficaz. Então há um limite à vida dessas ideologias, e será que esse
limite está chegando? Qual é o limite do Real? Qual é o limite, por
exemplo, do cálculo da inflação? A classe média vive do crédito. Ela
deve, todos devem. Todos devemos. A gente paga. O custo do dinheiro é
o custo da inflação oficial? Outra coisa, a cesta básica. Vivem
falando dela. Mas e os desejos? Sou chamado a ter mais desejos, pela
publicidade incessante. Mais coisas forma criadas para me serem
oferecidas . e a cesta básica fica imóvel. O resto não. Então, haveria
que produzir outros discursos para apressar o limite da saturação do
sistema ideológico que está por trás da globalização e do sucesso dos
governos globalitários. Só que os partidos partem da análise dos
economistas.
Marin Amaral - Professor, de que maneira os objetos contêm essa
ideologia de que o senhor fala?
Milton Santos - Vamos começar do começo. Quando eu era
maduro...(risos) a gente lia muitas coisas da literatura marxista
soviética- porque era mais barata, não é? (risos)- então tinha o bem
e o erro, a verdade e a mentira . A verdade e a ideologia. Mas a
ideologia também é "verdadeira", ela produz coisas que existem , que
são objetos. Esse é um primeiro ponto de partida. Um outro ponto de
partida é o seguinte: a produção de idéias precede a produção de
coisas, hoje. Não era assim há cinqüenta anos. Com a cientifização da
produção, com a cientifização da técnica, tudo que é produzido é
precedido de uma idéia... científica, É por isso que a publicidade
também precede a produção material. Quer dizer, antes de jogar um
produto faça propaganda dele. O remédio é um exemplo, 1 por cento de
matéria e 99 por cento de propaganda. Então tudo é feito assim, e a
produção da política também. A política cientificamente feita, como
agora, é precedida pelos marqueteiros. Então, tudo no mundo hoje tem
essa produção ideológica, ou de idéias- para ser neutro- que
precedem. Por conseguinte, há um mercado de idéias que antecipa a
produção de tudo, pelo menos do que é hegemônico. E o consumo é o
grande portador de tudo isso. Por isso, ele é o grande fundamentalismo
de hoje. Não é o do Kohmeini o grande fundamentalismo, é o do consumo,
porque é o portador do meu impulso para essa forma de vida, que acaba
me transformando numa coisa, num objeto.
Marina Amaral - E de que maneira a sociedade resistiria a esse processo?
Milton Santos - Creio que a resistência vem dos dois lados. De uma
lado- tomo isso de Sartre e deve estar em outros autores também- a
questão da escassez. A escassez, o fato de eu não poder alcançar essas
coisas e a repetição dessa sensação de falta me convocam a perguntar
" Mas por quê?" E num segundo momento busco entender. Esse
entendimento será mais rápido quando houver a produção, por nós , de
sistemas de explicação.
Georges Bourdoukan - Professor, estamos num ano eleitoral, e o governo
lança uma nova moeda, dourada, etc. Pelo que o senhor falou, devo
entender esse gesto como uma propaganda eleitoreira, para lembrar que
o Real existe de fato, que é concreto, o governo está usando esse
símbolo, certo?
Milton Santos - Sim. Esses objetos que são exatamente portadores de
uma ideologia. É típico de nossa época. Durante a história, o homem
tinha comando sobre os objetos. Eram poucos, na minha própria
infância e juventude eram poucos objetos, e eu os comandava. Hoje são
eles que comandam. E a gente acaba sendo perseguido pelos objetos,
você tem fax em casa, e-mail, é um inferno...(risos)
Marina Amaral - A questão seria a recusa ao consumo ou a
reivindicação coletiva pelo direito de consumir tudo?
Milton Santos - Acho que há uma contradição entre a produção do
consumidor e a do cidadão, a idéia da cidadania é ligada a idéia de
indivíduo forte. E a idéia de consumidor ligada à idéia de indivíduo
débil. E às vezes debilóide. (risos) essa contradição às vezes nos
parece difícil de ser superada, a gente tem a impressão de que está
chegando a um mundo onde uma reversão se torna impossível. Mas não é
isso, não creio que seja isso. A gente vê aqui e ali esses
movimentos...
Sérgio de Souza - Que papel a religião teria num quadro novo, ou está
tendo no atual?
Milton Santos - A religião tem um papel globalitário, globalizante. A
gente que manda está usando a própria religião para encobrir uma
porção de coisas. Então, há um processo deliberado de difusão de
religiões, seitas, que são destinadas a amparar o processo de
globalização. E são muito fortes, a gente vê. Tem um outro lado, que é
o lado de fazer descobrir a filosofia, o pensamento, não é algo apenas
europeu e ocidental. Essa invasão de palavras orientais e outras tem
um papel importante também. Uma coisa que andei querendo trabalhar ,
mas que não avancei muito ainda, é que há uma evolução por cima e por
baixo, que vai continuar durante um tempo, porque a impressão que
tenho é que a nova globalização, essa que queremos, e que vai
chegar, ela vai partir de soluções particulares, de explosões que não
vão se dar ao mesmo tempo. E o que a gente chamaria de cultura, para
unir tudo isso, vai ter um papel muito forte. Quer dizer, essa coisa
do Japão, já se fla em crise japonesa, é a crise da globalização, não
é a crise japonesa. E tem muito que ver com a cultura do Japão, que
recusa a aceitar a globalização tal como ela é. A maior parte do
Brasil, como população, como território, não aceita a globalização. O
que falta é propor uma outra globalização. Está havendo até agora uma
certa insistência nesse processo de cima para baixo. Haverá também um
processo de baixo para cima, que coincide um pouco com o que já vem
acontecendo. E aí essas crenças vindas da ingenuidade popular .
Ingenuidade tem que ver com criatividade. Ingenuidade e engenho são
vizinhos. Porque o que vem de cima não tem engenhosidade , por ser uma
regra indiscutível, mas chamam a isso de " flexibilidade". E a gente
repete- a " flexibilização", quando a economia dominante não é
flexível, porque só há uma forma de fazer ! Ou faz daquela forma ou
cai fora. Os economistas do PT repetem: " flexibilização", quando isso
não existe . Quer dizer, nosso próprio discurso é inadequado para a
gente se opor à globalização. Voltando à religião- ela é produtora de
discursos, tem esse papel, quer dizer , é também produtora de palavras
de ordem.
Roberto Freire - Sintetizando, seria uma globalização via econômica
esta que está aí, e a outra cultural? A palavra seria cultural?
Milton Santos - Eu diria via gente, povo. Por exemplo, havia um
projeto de controle demográfico, aí mandaram pílula anticoncepcional
para diminuir a população, mas o projeto foi contrariado, porque foi
todo mundo para a cidade! E o fato é que empobreceram a população, no
caso do Brasil. A urbanização se deu de forma tão concentrada que cria
condição territorial política de mudança.Não tem jeito. Tem povo
pobre demais, está bom do ponto de vista histórico. Se fosse todo
mundo de classe média , a mudança ia ser lenta.
Georges Bourdoukan - Professor , qual seria a solução para a seca do Nordeste?
Milton Santos - Sobre a seca fiz recentemente uma artigo para a Carta
Capital . A discussão é que , primeiro, a questão é social, e não
natural. Aí , outra vez Josué de castro primeiro, e depois Celso
furtado. Ambos levantaram a questão, que não é questão da natureza, é
uma questão da sociedade, uma questão política.Num mundo globalizado,
o governo está preocupado com ares que respondem à globalização e não
como antes, com a unidade nacional. Então a fragmentação do território
também se revela aí, na seca, e há pouca vontade de voltar atrás,
senão se buscaria uma solução nacional para a questão.
Marina Amaral - Solução nacional em termos técnicos mesmo, de fazer obra?
Milton Santos - A técnica vem depois sempre. Os técnicos são pessoas
subalternas, é o político que tem que decidir. É a idéia de nação que
precisa prevalecer. Isso é central, ver o que deverá ser feito a
partir de uma idéia dada de nação. Como isso não existe, quando há
muita crítica eles mandam remédios provisórios e tudo o mais. Agora, o
nordeste vai reagir com grande brutalidade à brutalidade da
globalização. Como a região é atrasada, o impacto vai ser muito forte,
as cidades vão ficar cheias de gente , lá em cima e aqui embaixo
também, e os conflitos vão ser muito grandes. É a minha visão do que
vai acontecer no Nordeste, quer dizer, a globalização vai ser brutal e
o esvaziamento do campo também, nos próximos dez anos.
Marina Amaral - Falando em território, é melhor manter a população no
campo ou não dá mais para fazer isso?
Milton Santos - Por que vou condenar as pessoas a ficar no campo?
Marina Amaral - Por exemplo, o MST acha que a saída seria as pessoas
ficarem no campo.
Milton Santos- É complicado , porque o Brasil é muito grande. Creio em
duas coisas. Primeiro, mesmo a globalização com sua brutalidade não
vai levar o país a mudar todo da mesma forma. As mudanças serão mais
lentas em certas áreas. Segundo , a globalização, de uma forma ou de
outra, vai exigir uma certa qualificação para o acesso ao trabalho
rentável. Já hoje, no caso de São Paulo, por exemplo, uma boa parte
das atividades urbanas paga menos do que as atividades rurais. Esse é
outro argumento, digamos, no sentido de ficar no campo. Quando falo
campo não é cidade do campo, é o campo mesmo, e isso é condenar o
sujeito a ter menos consumo de saúde, porque é mais difícil , mais
caro oferecer saúde quando a população é dispersa. È mais difícil
oferecer consumo de educação, e também o consumo político, consumo de
política.
Marina Amaral - Mas é diante dessas condições, ou será sempre uma condenação?
Milton Santos - Sim, porque, quando mecanizo a lavoura, mecanizo o
território também. Quer dizer, crio estradas, e aí as pessoas podem
se mover, aí vão para a cidade. Como é o caso de São Paulo, cerca de
7 por cento das pessoas vivem na área rural, mas o número de
trabalhadores agrícolas é maior. A pessoa vive na cidade e trabalha no
campo. Assim consome melhor saúde, melhor educação, melhor informação,
e melhor política.
Marina Amaral - Então a reforma agrária não contribuiria muito para a
melhoria da vida dessas pessoas?
Milton Santos - Só contribuiria num primeiro momento, porque a
produção hoje é comandada pela circulação. Então, se entrego a terra
sem cuidar do resto, aquilo dura uma geração ou alguns anos, e depois
a pessoa vai ser espoliada da mesma maneira. Mas, ainda aqui, a minha
resposta vai um pouco além. Parto do homem que vive em São Paulo, ou
de um baiano, mas não é a mesma coisa em relação ao Nordeste ou ao
Norte, onde a mobilidade dos homens e das coisas é menor. Num
território fluido, não adianta entregar ao pobre a produção, ele não
tem comando sobre o resto, que dizer, sobre a circulação, sobre a
comercialização.
Georges Bourdoukan - Essa foi uma das razões do fracasso das agrovilas.
Milton Santos - Exato. Então, teria d e ver isso. Mas, como instruir a
população vai demorar, a presença no campo ainda é possível durante
alguns anos.
Sérgio Pinto de Almeida - Professor, o processo da globalização é um
processo sem cara, não tem face pessoal, mas de qualquer maneira tem
algumas expressões, e eu queria colocar uma, que é o presidente da
República. Ele veio do meio da reflexão, da universidade, não quero
particularizar nele uma coisa maior, que enfim envolve o mundo, mas a
atuação de um homem que tem essa origem, chega a esse posto e de
repente, no caso do Norte-Nordeste, da seca, quase vira as costas para
o problema, ou faz subterfúgio? Queria que o senhor falasse um pouco
de um homem que chega a essa função tendo esse background.
Milton Santos - A resposta tem de ser filosófica. A ação é sempre
presente, não há ação passada, nem ação futura, há apenas ação
presente. E ação, de alguma forma, resulta de escolhas. A escolha pode
ser resultado de uma convicção profunda ou de um escorrego na vaidade,
na vontade de estar presente, o que a gente dizia da imagem - de
aparecer. E aí volto ao começo de sua pergunta, que é ter cara -
começa a ter cara a globalização. Acho que 1998 é um ano importante
por causa dessas grandes fusões no domínio da produção, do dinheiro e
da informação - a cara vai aparecer. Então, o que acontece é que esse
sistema de ideologia, que é também o sistema da perversidade, ele
escolhe os homens, os seus representantes e os suplentes. É uma
escolha. Na campanha eleitoral, a gente vê claramente. Os titulares e
os reservas aparecem, é a produção das figuras necessárias, que é um
dado do mundo hoje. Quer dizer, não há uma escolha internacional,
global, do líder nacional. Acho que esse é o jogo, e essa escolha é em
grande parte feita entre pessoas que um dia foram insuspeitas.
Marina Amaral - E esse processo tem o mesmo peso em todos os países,
ou o senhor acha que nos países do terceiro mundo a globalização impõe
ainda mais os escolhidos?
Milton Santos - Acho que são as sociedades locais, como elas funcionam
face à política. Nos países onde a política nunca existiu, ou existiu
menos, nos países onde a cidadania nunca existiu, ou existiu menos,
num país onde indivíduos fortes nunca existiram - perda, existir
sempre existiram, mas com menor força, menor presença - é mais fácil.
Porque esses países são muito mais dependentes do sistema da
ideologia. Na Turquia foi assim, também foi escolhido um intelectual,
na Grécia, no Peru Vargas Llosa... é um fenômeno global.
Marina Amaral - O Tony Blair parece uma pessoa semelhante ao Fernando
Henrique. A sociedade inglesa não teria condições de reagir de outra
maneira?
Milton Santos - Não sei se o Tony Blair foi grande professor ou
tornado professor. Mas em certos casos o prestígio intelectual também
é produzido. Há pessoas que são escolhidas para ter prestígio
intelectual internacional.
Marina Amaral - Mesmo num país desenvolvido como a Inglaterra?
Milton Santos - Que está dando importância à retórica. A retórica
ganhou uma enorme importância hoje, talvez por isso a gente deveria
aprimorar o nosso discurso também, não é?
Marina Amaral - O senhor acredita que os organismos internacionais
possam ter força no futuro? Pode existir uma ONU que funcione mesmo?
Milton Santos - Quando se fizer a globalização por baixo, sim, porque
haverá outra realidade. Mas, do jeito que está, há uma poluição dos
organismos internacionais, acabam poluídos.
Marina Amaral - Essa globalização por baixo seria via ação local de
todos os povos?
Milton Santos - Acho que vai haver, no caso do Brasil, primeiro, uma
outra federação. Vamos produzir uma outra federação. Os lugares vão se
mostrar insatisfeitos, vão entender por que estão insatisfeitos, o que
não sabem completamente ainda. Daqui a pouco vai haver uma reforma na
Constituição, feita por cima, mas daqui a alguns anos vai haver outra,
feita por baixo, porque essa por cima não vai funcionar. Isso vai
acontecer em alguns ou todos os países. Aí, depois que fizermos a
nossa federação por baixo, haverá a produção da globalização por baixo
também, com novas instituições internacionais.
Marina Amaral - Esse processo é pacífico, senhor?
Milton Santos - Não, não é pacífico.
Leo Gilson Ribeiro - E leva a um desmembramento do Brasil, ao separatismo?
Milton Santos - Ao contrário, porque é por baixo. Vem de baixo pra
cima, vem com emoção, com menos cálculo. E vai incluir os negros, as
minorias, quer dizer, as minoridades, porque são minorias...
Marina Amaral - A questão negra terá uma importância muito maior?
Milton Santos - Claro. Já está tendo maior que na minha maturidade
(risos), do que na minha juventude, e terá muito maior, porque os
negros não vão para lugar nenhum! E com a globalização eles serão...
nós seremos - ato falho - (risos) ainda menos atendidos.
Marina Amaral - E que prazo senhor prevê para essa outra globalização?
Milton Santos - Não tem prazo. Depende de um conjunto de
circunstâncias, não sei como a coisa vai evoluir na Índia, na China,
no Irã, no Iraque.
Georges Bourdoukan - Professor, a semana passada, nos Estados Unidos,
a Ku Klux Klan e os neonazistas fizeram uma série de manifestações,
não querendo mais que os negros circulassem nas ruas. Aí, de repente,
ressurgiram os Panteras Negras, desfilando armados. Como o senhor
analisa esse fato?
Milton Santos - Passei agora uns meses ensinando lá, e uma coisa que
me espantou a atribuí, como sempre olho as coisas, ao território
californiano, que é extremamente fluido, bem organizado, bonito do
ponto de vista material, com urbanismo aceitável, mas com extrema
aridez da vida social e das relações interpessoais, ligadas ao fato de
que é o creme do mundo moderno, informatizado etc. Então é o lugar da
ordem, da necessidade da obediência a regras, do pragmatismo, e também
o lugar onde as conquistas sociais estão em regressão muito grande. O
Estado suprimiu, via plebiscito, aquela coisa da discriminação
positiva, depois, a língua espanhola, que era tratada com certa
igualdade com a ex-língua nativa, também foi suprimida, com outro
plebiscito, quer dizer, uma volta atrás. Então, essa reação eu
imaginava. É nesse sentido que digo que no Brasil os negros vão deixar
de ter a posição que têm hoje, pois ainda sorriem, e vão começar a
ranger os dentes. O que é preciso é que os negros queiram ser a nação
brasileira. Não tem de imitar americano, nem querer ser africano.
Porque, quando quero ser africano - ou africano brasileiro -, acabo
sendo menos político. Sou político no meu país, porque não há política
global, por enquanto. Então, esses atos de violência nos Estados
Unidos vão ter o correspondente no Brasil em atos de revolta, de
rebelião, de manifestações grandes, em outra escala e com mais força.
Georges Bourdoukan - O senhor sente isso mesmo?
Milton Santos - Prevejo.
Marina Amaral - como é que o senhor vê a evolução do movimento negro
no Brasil, é rápida ou lenta?
Milton Santos - Se eu olhar para trás, há um crescendo, tanto na
velocidade quanto na intensidade. Pode estar misturado com a vontade
de ser classe média, que polui um pouco as coisas, mas há um
crescendo. O fato de que os negros tenham ido para a faculdade também
é importante - descobrem também que não vão conseguir emprego. Ou os
que conseguem são de menos remuneração. Quando estou pensando na
classe média, penso na minha solução individual, que é o pensamento da
classe média típico, não é? Mas está havendo uma tomada de
consciência, digamos assim, do fato se ser relegado. Porque os negros
não fazem parte da nação brasileira, isso é outra coisa. Sinto isso.
Pessoalmente é minha experiência.
Sérgio de Souza - O senhor sente que isso também se dá em relação ao pobre?
Milton Santos - Não é a mesma coisa. Porque não está claro na cabeça...
Sérgio de Souza - Na cabeça do pobre?
Milton Santos - Não, na cabeça dos outros. Quando se é negro, é
evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se
será pobre. É muito diferente.
Sérgio Pinto de Almeida - Só excepcionalmente não será.
Milton Santos - Não será pobre, não será humilhado, porque a questão
central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que
fique rico. E daí o medo, que também tenho, de circular. Acredito que
tenham medo.
Marina Amaral - O senhor tem medo?
Milton Santos - Claro. Esse medo da humilhação.
Marina Amaral - O senhor tem medo de entrar num restaurante chique e
alguém olhar torto porque o senhor é negro?
Milton Santos - Tenho, tenho sim.
Sérgio de Souza - Todos os negros têm medo?
Milton Santos - Todos têm. Posso fazer uma confissão? Tenho uma certa
simpatia por esse rapaz, o Pitta. Esse ataque todos os dias, isso me
choca, me dói também. Nunca votaria nele, não vou visitá-lo até que
acabe o governo dele, mas no fundo sou solidário, porque sei que uma
parte disso vem do fato dele ser negro. Pisado como ele é pisado todos
os dias, quando não se faz isso com ninguém!
Sérgio Pinto de Almeida - O senhor fala as coisas mais duras e pesadas
e mantém o sorriso. Uma vez eu entrevistei Antônio Callado e,
abordando o assassinato dos meninos da Candelária, ele falava com uma
virulência, uma dureza, e no entanto com um ar espantosamente sereno.
Perguntei como se dava isso, ele falou: "É a idade, é a sabedoria, a
dignidade não pode perder a clareza", algo assim. O senhor lembra
dele.
Milton Santos - Isso é ligado também a quem ensina. Porque quem ensina
não tem ódio, quem é professor mesmo não tem ódio nenhum.
Sérgio de Souza - Por falar em ensino, o senhor teria uma visão do
ensino público superior, uma crítica, diante do que todos estão vendo?
Milton Santos - Creio que o ensino público é indispensável, e com a
globalização torna-se mais indispensável para assegurar a
possibilidade de pensar livremente, e de dizer livremente. Não basta
pensar, tem de poder dizer. Por conseguinte, se o ensino ficar
atrelado ao mercado, ou à técnica, ele será cada vez mais canalizado
para a subserviência, sobretudo porque a ciência tende cada dia a
ficas mais longe da verdade. Porque a ciência é feita pra responder à
demanda da técnica e do mercado. Por conseguinte, ele estreita o seu
objetivo. Só o ensino público pode restaurar isso. Dito isso, as
universidades públicas teriam de ser um pouquinho mais públicas, na
medida em que elas não estão abertas. O número de matrículas diminui
proporcionalmente todos os anos. Em São Paulo, a evolução das vagas no
ensino público é diminuta, e a expansão é do ensino privado. Então, a
universidade pública para aumentar, digamos assim, a sua legitimidade,
tem de se tornar um pouco mais pública. Tanto na aceitação de alunos
quanto na escolha dos professores.
Sérgio de Souza - Mas esse modelo que está aí, esse ministro, o que
significa o Paulo Renato?
Milton Santos - Bom, esse ministro é um porta-voz do processo de
globalização perversa. Então, ele não merece entrar em debate.A
questão é mais em cima. Porque de gente como ele os ônibus aí estão
cheios. (risos) Então acho que o debate tem de ser outra vez sobre a
nação, outra vez com o mundo. Acho que a gente tem sempre de partir do
mundo como ele está intermediado pela nação que a gente quer. Acho que
é um pouco isso que está nos faltando, e deixar esses defuntos (risos)
- foi Hegel quem disse isso, não foi? -, deixar que esses defuntos
descansem em paz. Não vamos perder tempo discutindo essas pessoas,
porque a gente tem tão pouco tempo, tão pouco espaço.
Sérgio de Souza - Eu estava perguntando do modelo mesmo, a pessoa
estava envolvida. Mas dentro da universidade, da USP, essa discussão
se dá entre os mestres?
Milton Santos - Ela se dá entre alguns mestres. Vai se dar com mais
força, porque está havendo um estreitamento dos recursos, a
universidade está empobrecendo, os salários estão diminuindo. Então,
ela vai começar com a perspectiva de - como na classe média - se
transformar numa discussão filosófica. A classe média está sendo
chamada a uma outra discussão: não pode mais mandar o filho à escola
boa, não pode mais cuidar da saúde, não pode mais envelhecer, não pode
mais ficar doente. Também no caso da USP, que é uma universidade que
somente conheceu crescimentos, engrandecimentos, e que evoluiu nessa
idéia da sua própria grandeza, a pré-crise que está vivendo agora vai
despertá-la para um debate mais amplo. Que ainda não está sendo feito.
Marina Amaral - A impressão que dá às vezes é que é muito corporativo
o debate, que os professores estariam ais preocupados com o próprio
salário do que com o que acontece na universidade. É uma visão maldosa
essa?
Milton Santos - Creio que a enorme dificuldade é ser intelectual neste
fim de século. Uma enorme dificuldade, que na verdade está incluída
nessa globalização, porque a universidade é chamada a ser porta-voz.
Quer dizer, os apelos todos da globalização, aumentando os contatos
entre as universidades e indicando as universidades que são faróis,
ela acaba corrompendo as universidades subordinadas, como a USP e as
outras, do terceiro mundo, que não são universidades portadoras de
teorias de mundo.
Georges Bourdoukan - Não haveria mais pensadores?
Milton Santos - Acho que há um certo número, mas é mais difícil, hoje
do que antes, primeiro pensar e , segundo, ter o seu pensamento
difundido.
Leo Gilson Ribeiro - Quando o senhor diz que a ciência está se
afastando da verdade, isso indica que ela está também no caminho do
lucro?
Milton Santos - A serviço do lucro. Quer dizer, a descoberta gratuita
ou de um futuro diferente daquilo que já está traçado - por
conseguinte, não é mais futuro, porque já está traçado, não é isso? -
não está acontecendo. Acho que esse é o problema da ciência hoje. Quer
dizer, de um lado as ciências humanas são comandadas pela moda, então
a gente faz aquilo que está na moda, que está na mídia. Dá-se mais
valor à moda do que ao modo, porque a moda é que asseguram a promoção,
o status, a moda vem das universidades hegemônicas, que sabem por que
estão impondo as modas. Então, você passa quinze anos estudando
dependência, passa quinze anos estudando setor informal... veja,
nestes últimos quarenta anos os temas centrais foram dois ou três. Que
não levaram ao progresso do conhecimento, levaram para trás. E nas
ciências exatas e nas outras é o mercado que escolhe fazer. Com a
globalização, a escolha é cada vez mais estreita. Por conseguinte, o
campo de pensamento se afunila e a distância em relação à busca da
verdade aumenta. E hoje há uma tecnização da pesquisa, quer dizer, há
uma necessidade de dinheiro, a maior parte das pesquisas precisa de
dinheiro, isso complica, porque o dinheiro é mais freqüentemente dado
para os centros de pesquisa que aceitam essa instrumentalização. E
pensar livremente se dá a partir de um certo estágio, uma certa
experiência ou um certo gênio - gênio em qualquer idade -, o que
significa um número menor de pessoas, que tem público por isso mesmo
menor. E o público vai exatamente para o outro lado. A universidade
pública seria o lugar do intelectual público. Mas hoje a possibilidade
de ser intelectual público é cada vez mais limitada, por essas
condições todas sobre as quais falamos aqui.
Sérgio de Souza - E o senhor falava de mitos. O mito maior hoje seria o mercado
Milton Santos - Exato. Porque ele sobrevive a partir disso. Começa
pelo próprio nome, "mercado global" - não existe isso. Onde há esse
mercado global? Mas tudo é mandado fazer em função do mercado global.
Eu ainda ouvia essa manhã no rádio: "Ah, porque a exportação é que
garante o crescimento". Será?
Georges Bourdoukan - Profesor, o que muda se o PT ganhar a eleição?
Milton Santos - Não sei, porque, quando a gente lê um economista do
PT, é quase a mesma coisa. Acho que vários trabalhos estão sendo
feitos, um é o deles, os políticos, outro é o nosso, os intelectuais;
não se confundem. E o nosso trabalho realmente vai começar depois das
eleições, seja quem ganhar. Se o presidente atual ganhar, o processo
histórico será acelerado, isso eu sinto.
Sérgio Pinto de Almeida - A crise se aprofunda.
Milton Santos - A visibilidade da crise vai aumentar. Acho que é isso,
como dado pedagógico. Porque, se fosse eleito Antônio Carlos
Magalhães, ou o Covas, a opinião seria: "Mas como vai falar mal dele,
está chegando!" Esse está chegado (risos)
Georges Bourdoukan - Gostei muito da entrevista. Finalmente sentou na
nossa frente um filósofo.
Milton Santos - Mas não oficial. Fiquei muito feliz com essa conversa,
ela me fez avançar. E vamos ver se a gente toca o país.
Um espaço para pensar e discutir política, direito, arte e qualquer outro assunto que nos permita buscar desocultar o que querem insistentemente esconder.
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Já não se fazem mais professores como antigamente, meu amigo.
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