A Espuma dos
Dias (About time)
José Luiz
Quadros de Magalhães
A leveza é possível.
Embora todo o mundo moderno, todos
os impulsos da sociedade de ultra consumo, toda a ordem do supereu percebido
por Lacan (ao contrário do supereu da renúncia do tempo de Freud), que nos
ordena curtir sem cessar, é possível ser leve. Mas é preciso, antes descobrir a
importância da leveza. O que é ser leve? Porque a leveza parece impossível?
Talvez esta seja a grande chave do
filme “A espuma dos dias”. A espuma que se desfaz rapidamente após grande
abundancia. A espuma cresceu, transbordou, parecia que nunca ia acabar.
Encobriu pecados e desejos, rapidamente revelados com sua fragilidade.
Efêmera....
A grande cena: duas pessoas, um
homem e uma mulher, mas, mais do que qualquer gênero, duas pessoas, lindas,
descobrindo o amor, a complementariedade da vida, sem pressa, sem nada mais do
que as duas pessoas. Um túnel que leva de um lado ao outro e vice-versa.
Atravessa. Os dois se descobrem. Este é o momento. A anulação do tempo, de novo
o tempo. O tempo do poeta, talvez não, o poeta talvez tenha sido apressado ao
declarar a infinitude finita de vários amores sexuais. Não é isso. É muito
mais. Ele diz: “sinto que este é o momento mais importante de minha vida e não
posso errar”. Na resposta leve está toda a (im)possível leveza: “não há
problema em errar, temos toda a vida para acertar”.
Isto.
Leve.
Tudo.
Este texto é sobe dois filmes e o
tempo.
O primeiro, que acabo de pensar
sobre uma cena, fala de leveza, da negação da aflição do tempo que com o tempo
leva cedo uma vida, leve, esmagada pela doença. Um belíssimo e incômodo filme
surreal.
O segundo filme, “Questão de tempo”
(About time) fala do controle do tempo cronológico. Sim, de novo ele, Kronos, o
implacável amigo.
O filme, “About time” nos fala de
forma divertida sobre a possibilidade de brincar com Kronos. Kairós está
ausente. Não fala do tempo subjetivo, de outros tempos vários, fala
simplesmente do implacável Kronos. Sem apelar para recursos tecnológicos, máquinas
do tempo e efeitos especiais, o filme fala dos “homens” de uma família (porque
só os homens também é uma questão esquisita) que podem viajar no tempo
simplesmente indo a um lugar escuro, apertando as próprias mãos e pensando para
onde querem ir no passado.
Primeiro é importante superar uma
questão de gênero. As mulheres não precisam destes recursos, e logo veremos por
que. A questão é que, quando o jovem recebe a notícia do pai de sua herança
mágica este começa a manipular sua história (estória talvez). Volta no tempo
várias vezes até acertar a cantada certa para conquistar seu amor. Volta no
tempo várias vezes até proporcionar a melhor primeira noite para o seu amor.
E........
É isto?
Ele enganou seu amor. Ele não é a
primeira noite perfeita tantas vezes ensaiada. Ele não é o galã que acerta a
cantada na primeira vez. Ele errou sozinho. Aí está a diferença entre a leveza
de errar juntos, sem a obrigação de acertar e o desespero de não errar, o
desespero de não aceitar o erro, de buscar a perfeição que não existe, mesmo
quando se pode manipular o tempo. Manipular o tempo é uma mentira. Encobrir os
erros, errar sozinho para parecer o que não se é, o que não se pode ser.
Melhor a leveza impossível do que a
performance do presente contínuo ou do tempo manipulado. Disto falam os filmes.
Boa reflexão.
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