DIAS ESTRANHOS
Virgílio de Mattos
Outubro que
sempre foi um mês rubro, nunca foi tão aziago, não que eu me lembre.
As más
notícias do cotidiano são de todas as ordens: políticas, econômicas, pessoais.
Os fascistas avançam por toda parte. E as más notícias com eles. Parece praga.
Entretanto, talvez
a maior perplexidade seja o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal,
“guardião da constituição” (art. 102 da CRFB), que tem funcionado como um
autêntico tribunal de exceção – o que é expressamente vedado pela própria
Constituição, bastando confrontar seu art. 5º, inciso XXXVII – no julgamento da
Ação Penal n. 470.
Sempre aprendi
– inclusive com vários professores fascistas – que na dogmática “só a prova
condena, só a prova absolve” e que condenar sem provas era a violação mais
mesquinha não só do devido processo legal – no qual a ausência de provas conduz
inexoravelmente à absolvição – como do próprio estado democrático de direito,
que sempre deve ser lido como estado democrático de direito burguês, enquanto a
humanidade vive esse estágio no qual convive com a existência do direito
burguês.
Ensinava,
quando ensinava direito penal, que é ele, por excelência, o braço armado da
superestrutura, feroz cão de guarda dos poderosos e sempre que atua produz
efeito iatrogênico. É simbólico e tem sempre uma função política, de contenção
do proletariado ou do subproletariado.
Não me
enganava e nunca enganei a ninguém: a principal função do direito penal é
conter os avanços das massas pauperizadas cominando penas privativas de
liberdade àquelas condutas que, de alguma forma, possam atingir os privilégios
das classes dominantes. Nada mais, nada além. E isso, convenhamos, ele faz
muito bem.
Enquanto
estivermos vivendo sob a mesquinharia do sistema capitalista, em que o homem
deve ser empregado do homem e não amigo do homem, penso que não haverá saída,
só mesmo “ruas, viadutos e avenidas”,
como dizia o poeta. E nessas ruas, enquanto por elas não passar as massas de
explorados a fazer sua justiça implacável, haverá espaço para os midiáticos
paladinos da moralidade que não têm como sequer olhar o próprio rabo.
As piores
notícias, no entanto, chegam de outra forma e de vários lados do mundo, com
amigos devastados por metástases inoperáveis e intratáveis.
Logo eles, os
mais fortes e mais firmes e que lutaram tanto a vida inteira, terem um final de
vida assim: inapelável.
Terão toda a
eternidade para descansarem, sei bem disso e a querida que ouvi hoje o fio de
voz bem fraquinho, a que ambos debitamos a esse serviço telefônico de merda –
para nos enganarmos e poder seguir conversando, ainda me disse um “te amo” na
língua dela.
Choro de raiva
e de vergonha. Raiva por ver tanto filho da puta – com todo o respeito que me
merecem as putas – por aí, mundo afora, vendendo saúde e vergonha de não
conseguir prestar uma homenagem à altura – as palavras não saem, essas vadias.
Dias
estranhos. Além da alegria perdi o manejo das palavras.
Lembro de
Mario Benedetti:
No sé qué les debemos
pero eso que no sé
sé que es muchíssimo.
Novembro que
venha como mês dos vivos.
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