Gilvander Luís Moreira[1]
Na Bíblia, o Evangelho
de Lucas (Lc 13,1-5) narra que algumas pessoas faziam festa, porque o
governador Pilatos tinha ordenado o massacre de dezenas de galileus que lutavam
em Jerusalém contra a excessiva carga tributária, o endividamento e a
privatização da saúde nas mãos dos sacerdotes. Fazendo análise da conjuntura
com olhar crítico e criativo, Jesus de Nazaré alerta de forma enfática: “Se vocês não se converterem, morrerão todos
do mesmo modo.” (Lc 13,3.5). Jesus recorda que além das ações repressoras
de Pilatos, outros 18 galileus tinham morrido em “acidente” de trabalho (crime
anunciado) na construção da Torre de Siloé, uma grande obra que interessava a
poucos.
Essa passagem bíblica
veio à minha mente ao saber da reeleição de Márcio Lacerda para prefeito de Belo
Horizonte, cidade campeã em assassinato de moradores de rua, 67 em 15 meses. Lacerda
foi reeleito no 1º turno com 52,69% dos votos válidos. Houve 19% de abstenção, 9% de nulos e 6% de
votos brancos. Assim, Lacerda venceu com apenas 36% dos votos da população,
pois 64% optaram por outros candidatos ou por nenhum. Votaram em Patrus (PT)
40,8%, em Maria da Consolação (PSOL) 4,25%, em Vanessa Portugal (PSTU)
1,55% e em menor percentual em outros candidatos. Assim Lacerda venceu no primeiro turno por 2,6% a mais de
votos do que a soma das demais candidaturas.
Concordo 100% com Túlio
Viana, ao avaliar: “Belo Horizonte paga o preço de 4 anos sem oposição ao
prefeito Márcio Lacerda. Ao PT que só decidiu lançar candidatura própria porque
foi rejeitado por Lacerda aos 45min do segundo tempo, só resta agora fazer uma
oposição decente e tentar retomar daqui a 4 anos a prefeitura que Pimentel deu
de presente à direita. De bom mesmo
nesta história toda ficou o movimento FORA
LACERDA que deu um show nestas eleições municipais, mostrando a força da
sociedade civil e de uma juventude politizada para além das cartilhas
partidárias.
Vida longa ao FORA LACERDA!”
Os 19% de abstenção, 9%
de nulos e 6% de votos brancos revelam o protesto e/ou a indiferença de 34% do
eleitorado belorizontino ao atual prefeito Márcio Lacerda e a sua gestão, ao PT
e repúdio à deterioração da política partidária no Brasil. Ao PT, porque mantém
a política econômica neoliberal do PSDB-DEM, pelo Mensalão, e pelos acordos
espúrios feitos com Sarney, ACM, Maluf e, inclusive, com Márcio Lacerda e Aécio
Neves para impor há 4 anos atrás Lacerda na prefeitura de BH - PBH.
O Movimento FORA
LACERDA e a militância dos Movimentos Sociais Populares são o grande destaque
da eleição em BH. Cresceram e organizarão uma significativa oposição a Lacerda
no seu 2º mandato. Com muita garra, coragem, sabedoria, com arte, cultura e
humor, o Movimento FORA LACERDA escancarou as injustiças perpetradas contra os
pobres pela administração municipal no 1º mandato. O PT ensaiou resgatar seus
princípios originais, mas não teve a coragem de abraçar as bandeiras levantadas
pelas Ocupações Urbanas, pelos Movimentos Populares e pelo FORA LACERDA. Somente
na reta final, Patrus e a coordenação de sua campanha elevaram o tom, mas já
era tarde. Muitos do PT sofrerão a tentação de voltar a entrar debaixo das asas
do Lacerda para recuperar empregos perdidos na PBH. Provavelmente o PT – espero
que sim - atuará como oposição a Lacerda e assim poderá se firmar para tentar
resgatar a PBH daqui a quatro anos e impedir a ascensão de Aécio Neves à
Presidência do Brasil em 2014.
Está coberto de razão
José Saramago, de saudosa memória, ao alertar que a democracia está seqüestrada,
condicionada e amputada, porque o poder do cidadão limita-se na esfera política
a tirar um governo que não gosta e a por outro que deverá ser tirado depois, enquanto
as grandes decisões são tomadas no poder econômico, nas cúpulas das transnacionais.
E quem dirige as transnacionais não são eleitos pelo povo. São os representantes
do capital.
A eleição não encerra o
debate político instaurado sob a liderança do Movimento FORA LACERDA. O jurista
Fábio Konder Comparato adverte que o Poder político se exerce mandando ou
impedindo. Lacerda o exercerá mandando. O Movimento FORA LACERDA, os Movimentos
Populares, o povo organizado, o PT, o PSOL, o PSTU, o PCO e as pessoas de boa
vontade o exercerão tentando impedir o projeto do Lacerda (PSB) e do Aécio
(PSDB), que é o de privatização da cidade, o que trata a cidade como uma
empresa. Desse projeto faz parte o discurso neoconservador de mais 600 câmeras de
vigilância e da repressão aos pobres que confirmam a construção do modelo
excludente de cidade dominada pelo medo.
Dos 41 vereadores de BH 18 foram reeleitos, mas a
Câmara municipal continua conservadora, pois dos 23 novos vereadores, a maioria
é “trocar seis por meia dúzia”. As forças vivas da sociedade belorizontina
poderão contar com o apoio firme de apenas uns sete vereadores, uma pequena
minoria. Três “detalhes” eloqüentes: a) O vereador mais votado em BH foi um
bispo da Igreja Universal, o que indica a inserção de um projeto de
neocristandade na Política, algo lastimável; b) O vereador terceiro mais votado
em BH foi um delegado, o que sinaliza que a violência está aumentando em BH e o
povão está acreditando que repressão policial seja a solução. Engano; c) Apenas
uma mulher foi reeleita como vereadora de BH e nenhuma outra foi eleita –
atualmente há cinco -, o que indica que o machismo e o patriarcalismo avançaram
sobre o legislativo municipal. Pena!
O Patrus Ananias, a Maria da Consolação, o PSOL e o
PCO estão de parabéns. Perderam eleitoralmente, mas tiveram ganhos políticos
significativos. Desconfio que a Vanessa Portugal e o PSTU, indiretamente,
ajudaram a reeleger o Lacerda por criticarem em pé de igualdade o Patrus e o
Lacerda. Espero que o PSTU modifique o seu jeito de fazer oposição e lutar, isso
para não ajudar, sem querer, a (extrema)direita.
Estará muito vivo na nossa memória: a) O Lacerda
fazendo buraco no coração de BH, na Praça Sete, para tentar enganar o povão; b)
O conteúdo do vídeo no qual o vice do Lacerda, o Délio Malheiros, malha o
Lacerda revelando a podridão articulada para adquirir o 2º mandato; c) Várias
afirmações do Lacerda durante a campanha eleitoral, tais como: “O povo é
culpado por andar em pé nos ônibus, pois não tem paciência de esperar o próximo
ônibus.” “No despejo da Ocupação Eliana Silva a PM agiu com delicadeza e o povo
saiu voluntariamente.” “Não apoio os invasores de Dandara, pois são
aproveitadores.” “Reconheço que no 1º mandato estive distante do povo...”,
dentre tantas outras falas e ações.
A festa da vitória não foi nas ruas. Em BH sempre
após vitória do Cruzeiro ou do Atlético, há foguetório e muita movimentação nas
ruas, mas após a divulgação da vitória de Lacerda, a cidade permaneceu
silenciosa “como se nada tivesse acontecido”. Mas Belo Horizonte não é a mesma
de quatro anos atrás quando Lacerda foi imposto na PBH. O povo pobre está se
organizando e seguirá se fortalecendo. O povo está acordando e não deixará a
corda no pescoço. A vida segue e estamos em movimento. Temos um projeto
político que não se derrota apenas com a eleição de um candidato e a perda de
outro, sobretudo quando esta eleição se dá sob o impacto de uma pesadíssima
campanha publicitária e censura à Mídia em Minas. Por tudo isso, fomos
derrotados eleitoralmente, mas tivemos ganhos políticos.
Acorda BH, se não a
corda ... MOVIMENTA
BH, que a vida segue! A luta continua!
Belo Horizonte, MG, Brasil, 08 de outubro de 2012.
[1]
Frei e padre carmelita, mestre em Exegese Bíblica ; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via
Campesina, em Minas
Gerais , Brasil; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
– www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis -
facebook: Gilvander Moreira
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