terça-feira, 15 de outubro de 2013

1368- Quem é o produto e quem é o consumidor? - Coluna da professora Tatiana Ribeiro de Souza

Lendo a respeito do “Direito do Consumidor” me dei conta de que estamos tratando de uma relação invertida. A preocupação proclamada por essa área de estudos é com o equilíbrio da relação entre produtor (ou prestador de serviço) e consumidor, tendo em vista que este é a parte vulnerável na relação. Tal como acontece nas relações de trabalho, existe uma parte na relação que é sabidamente subserviente e explorada, ao ponto do Direito precisar dar uma satisfação social e assim legitimar o sistema. A questão que eu pretendo levantar aqui é se são as pessoas que consomem os produtos gerados pela economia capitalista ou se, ao contrário, é a economia capitalista que consome as pessoas geradas pelos seus produtos. Explicado de outra forma, pergunto: é o sujeito que escolhe o produto que vai consumir ou é o produto que escolhe o sujeito para si? Para além de serem destinados ao atendimento de uma necessidade, os produtos contemporâneos constituem identidades. As pessoas se projetam naquilo que adquirem, a fim de estabelecerem uma maneira de estar no mundo. Nesse sentido, estamos falando de pessoas geradas por produtos, o que representa um verdadeiro empoderamento de quem gera os produtos, pois, por conseguinte, geram as pessoas. Quando uma montadora de automóveis idealiza um novo modelo, toda a campanha de publicidade está cuidadosamente direcionada a um público alvo. Se a montadora quer cooptar, por exemplo, o motorista aventureiro, vai produzir o objeto do seu desejo, criar necessidades para as atividades de aventura, convencê-lo que se não tiver esse carro ele não é um “aventureiro” e, sobretudo, criar condições de crédito que lhe permitirão realizar seu “sonho”, em longas e suaves prestações, que pagarão duas ou três vezes o valor do automóvel. Quem escolheu? O motorista escolheu o automóvel ou o fabricante escolheu o motorista? Não é, por acaso, o automóvel quem constitui o motorista? Em parceria com a montadora, não está a financiadora igualmente consumindo o sujeito? Quem é o consumidor? Quem é o produto? Para cada setor da economia existe um sujeito/produto pronto para ser consumido. Somos consumidos pela empresa de telefonia, pelo fabricante de aparelho celular, pela montadora de automóveis, pela agência de viagens, pelas grifes de relógios, óculos, vestuário, etc. Não somos nós que nos inscrevemos no mundo, mas permitimos ser inscritos por aquilo que nos consome e que nos dita o comportamento, o desejo, o sonho, nos uniformiza e nos escraviza. A sociedade do consumidor é a sociedade do não-direito, é a sociedade das necessidades criadas e da exploração da incompletude humana. Se tudo der certo, não haverá relação com parte vulnerável, não haverá necessidade de Direito do Consumidor.

Um comentário:

  1. Este texto me fez lembrar uma imagem que circulou no FB: Crianças chinesas (e suas mãos de obras exploradas) produzindo máscaras do V (V de Vingança) em um momento efervescente de nossa nação onde queríamos consumir mais o desejo de ser (respeitado em suas garantias constitucionais, em seus direitos de cidadãos) do que ser consumido pelo ter (o poder da mídia, da força bruta, da política corrupta). Grandes questionamentos feitos pelo Professor que estimula pensar e pensar sobre.

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