O
novo constitucionalismo latino-americano
Parte
1
Introdução
José
Luiz Quadros de Magalhães
Em
diversos textos publicados em diferentes meios (revistas especializadas, magazines,
internet e livros), tenho discutido o novo constitucionalismo latino-americano,
especialmente as Constituições do Equador e Bolívia que fundam o novo conceito
de Estado Plurinacional.
Nestes
textos parto de uma base que se repete, analisando a formação da modernidade,
construindo um conceito que procura identificar alguns pontos que marcam a
essência da modernidade e a construção do estado e do direito modernos nestes
últimos quinhentos anos. Posteriormente aprofundamos em alguns eixos que,
entendo, podem representar uma ruptura com a modernidade e que fundamentam a
construção de uma nova teoria do estado e da constituição, e logo, de uma nova
teoria do direito que supere as teorias modernas.
No
livro “Estado Plurinacional e Direito Internacional”, publicado pela editora
Juruá[1]
são estudados, no primeiro capítulo, os fundamentos do direito e do estado moderno
e a busca da uniformização como política que permite viabilizar o projeto de
estado moderno. No segundo capítulo, é analisada a relação entre democracia e
constituição e a criação de mecanismos constitucionais contra-majoritários de
proteção aos direitos fundamentais. Neste momento são analisados alguns eixos
ou pontos de ruptura com a modernidade, como, por exemplo, a ideia de um
democracia consensual e uma constituição processual. A ideia de uma
Constituição processual, fundada sobre a busca de diálogo e consensos
provisórios pode transformar radicalmente a constituição moderna. No lugar de
reagir às mudanças não permitidas (função da Constituição moderna) a ideia de
uma constituição processual e a busca de consensos, obviamente onde estes
consensos são possíveis, permitem que a constituição, no lugar de reagir passe
a agir a favor das mudanças democraticamente construídas. Esta ideia, foi
trabalhada no livro “Poder Municipal – paradigmas para o estado constitucional
brasileiro”[2]
e retorna agora com um novo pano de fundo, diante das transformações que estão
em curso na América Latina e as teorizações sobre o Estado Plurinacional. No
capítulo 3 do livro “Estado Plurinacional e Direito Internacional”, trabalho a
ideia de pluralismo epistemológico, um dos fundamentos teóricos do Estado
Plurinacional e no capítulo 4 a ideia de um sistema plurijurídico, analisando o
sistema boliviano frente a outros sistemas que, aparentemente plurijurídicos,
reproduzem a lógica uniformizadora do Estado Moderno como, por exemplo, ocorre
com o direito comunitário e o direito internacional. Nesta parte do livro
analiso também um outro eixo, que pode ser encontrado na construção de uma nova
perspectiva plural, não hegemônica e não uniformizadora, com a criação de
tribunais plurinacionais, o que pode ser uma boa ideia para os tribunais
internacionais que até então, são tribunais “europeus”, pois dizem o direito
europeu, e analisam e interpretam as normas, ainda hoje de forma
majoritariamente europeia. A confirmação desta tese pode ser encontrada (ou
não) na análise das decisões das cortes internacionais e seus fundamentos
(discursos) jurídicos.
Finalmente,
no capítulo 5, menciono outros eixos que podem representar rupturas com o
direito “moderno” e que serão posteriormente estudados. Estes eixos são
retomados em outros trabalhos sem grandes modificações. No artigo, “Democracia
e Constituição: tensão histórica no paradigma da democracia representativa e
majoritária – a alternativa plurinacional boliviana”[3], é
analisada a tensão entre democracia e constituição é reproduzida.
O
tema pode ser revisitado em diversos textos publicados nos últimos três anos e
que repercutem os diversos debates que tem ocorrido sobre o tema, especialmente
nos eventos da “Rede por um constitucionalismo democrático”.
No
livro “Filosofia y Ciencia Política” publicado em Mar del Plata, Argentina[4], são
retomadas as bases históricas da formação do estado moderno para então analisar
a possibilidade de superação da uniformização do direito de família e de propriedade
no estado plurinacional assim como a superação da dicotomia moderna
culturalismo versus universalismo.
A
discussão sobre a necessidade de se repensar um sistema internacional a partir
das experiências dos estados plurinacionais[5]
pode ser encontrada em livro publicado pela Universidade Federal de Pelotas,
organizado pela professora Josirene Candido Londero e o professor Dênio
Gonçalves.
Estes
estudos sobre diversidade e estado plurinacional se conectam a várias outras
questões que envolvem não só a teoria do estado e da constituição, mas também o
direito internacional. Na Universidade Nacional Autônoma do México tem ocorrido
importantes pesquisas sobre a necessidade e possibilidade de construção de um
“Estado de Direito Internacional”[6]
que resultou em um livro publicado em 2012. Neste grupo de pesquisa e discussão na Cidade
do México, coordenado pelo professor Manuel Becerra Ramirez, foi elaborada uma
crítica sobre o estado moderno e seu projeto uniformizador, que chamou a
atenção do grande perigo de se pensar em um Estado de Direito Internacional a
partir da teoria do direito e do estado modernas. Esta proposta poderia
resultar na mesma lógica uniformizadora, especialmente a uniformização do
direito de propriedade e do direito de família, que viabiliza o capitalismo e é
reproduzida pelo direito comunitário, assim como nos estados federais e outras
formas descentralizadas como os estados regionais (Itália por exemplo) ou o
estado autonômico na Espanha. Como resultado das pesquisas foram publicados,
também, artigos sobre o tema, no “Anuário Mexicano de Direito Internacional”.[7]
Também
na Colômbia, na Universidad Libre, em Bogotá e nos “campi” de Pereira e Cali,
em eventos coordenados pelo professor Jaime Angel Alvarez, assim como em
Manizales, pelo professor Ricardo Sanin Restrepo, discutiu-se a necessidade de
se ampliar os estudos sobre o novo constitucionalismo latino-americano e a importância
da Constituição da Colômbia de 1991 na construção de um novo constitucionalismo
fundado no direito à diversidade como direito individual e coletivo,
experiência que avança com as transformações em curso na Bolívia e Equador. Na
Colômbia existem importantes decisões da Corte Constitucional que envolvem os
direitos dos povos originários e começam a construir a compreensão do direito à
diversidade. Estes eventos resultaram em três livros coletivos, já publicados,
e um em processo de elaboração, onde podem ser encontradas análises da
contribuição das Constituições da Bolívia e Equador para a construção de uma
nova teoria da Constituição e a construção de um direito à diversidade para
além do direito à diferença.[8]
No livro “Direito à diversidade e o Estado
plurinacional” publicado pela editora Arraes em 2012[9], estão
presentes diversos artigos dos pesquisadores de um grupo de estudo da Faculdade
de Direito Estácio de Sá em Belo Horizonte, sobre diversidade e plurinacionalidade.
Os artigos abordam questões variadas sobre diversidade passando pelo pluralismo
epistemológico, identidades, sociedades múltiplas, hegemonias entre outras
questões.
Também na USP, Ribeirão Preto e na
pós-graduação em Direito (mestrado) da UNIPAC em Juiz de Fora, foram realizados
debates com os alunos da graduação e mestrado, sob a coordenação do professor
doutor Nuno Manoel Morgadinho dos Santos Coelho. Como resultado destes debates foi
publicado um livro coletivo com artigos de diversos professores pesquisadores
que analisam decisões judiciais envolvendo direitos fundamentais à diferença e
à diversidade.[10]
Ainda
em 2013, dois livros foram lançados que contém reflexões sobre o novo
constitucionalismo democrático e o estado plurinacional. No livro em comemoração
aos 25 anos da Constituição Federal de 1988[11], pode
ser encontrada uma crítica ao judiciário e ao legislativo modernos e a análise da
possibilidade de construção de uma justiça de mediação e um legislativo com
práticas de construção de consensos provisórios não hegemônicos, o que implica
em uma nova postura para o diálogo. Neste texto busca-se caracterizar o
legislativo e o judiciário modernos como máquinas processadoras de falsas
legitimidades.[12]
Em livro publicado em Vitória, Espirito
Santo, em 2013, organizado pelo professor Daury Cesar Fabriz, da Academia
Brasileira de Direitos Humanos, estão as discussões sobre pactos, submissões e
permissões, analisando, novamente, a questão da tensão entre democracia e
constituição e da possibilidade de uma nova perspectiva de democracia
constitucional processual no estado plurinacional.
Finalmente, fruto de discussões no
programa de mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM),
com a organização da professora Liliana Jubilut e do professor Alexandre Melo
Franco Bahia, foi construída um obra em três volumes sobre direito à diferença,
direito à diversidade e minorias, lançado pela editora Saraiva em Janeiro de
2014. Este livro contém importantes discussões sobre o direito à diferença e à
diversidade como direito individual e coletivo.[13]
Nestes últimos 3 anos foram realizados
no Brasil 3 Congressos da “Rede por um constitucionalismo democrático” em
Recife (Pernambuco), Ouro Preto (Minas Gerais) e Pirenópolis (Goiás), rede que
reúne mais de 300 pesquisadores sobre o tema em todos os estados da América
Latina e mais Espanha e Portugal, além de diversos seminários e encontros.
Estes Congressos, seminário e encontros deram origem a vários grupos de
pesquisa e extensão sobre Estado Plurinacional, como o Grupo de Estudos da
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, sob a coordenação dos professores
Alexandre Melo Franco Bahia, Flaviane Magalhães de Barros e Tatiana Ribeiro de
Souza; o grupo de estudos do NUJUP (Núcleo Jurídico de Políticas Públicas) na
PUC Minas, coordenado pela professora Marinella Machado Araújo, e dois grupos
de pesquisa sobre direito indígena e direito agrário na Universidade Federal de
Minas Gerais coordenados respectivamente pelo pesquisador Humberto Filpi e pela
professora Delze dos Santos Laureano.
Muitos
outros textos publicados em revistas, jornais e entrevistas, trabalham pontos
sobre modernidade, ideologia, diversidade e o novo constitucionalismo.
O
objetivo desta série de escritos é começar a organizar toda esta variedade de
reflexões espalhadas, muitas repetidas e algumas perdidas, sobre diversidade,
novo constitucionalismo democrático e o estado plurinacional como ruptura com a
modernidade.
Para
tentar realizar esta organização, este texto tem algumas características:
a) O
objetivo é chegar a uma escrita que retrate o atual momento de reflexão sobre o
novo constitucionalismo, após alguns anos de discussão e reflexão;
b) Não
é um texto que procura dizer de novo o que já foi dito milhares de vezes,
repetindo autores já exaustivamente citados. Não é uma tese acadêmica com os
mesmos livros, diversas citações e transcrições, dentro do mesmo formato. O
texto é, inclusive, contra isto, ou, se não contra, procura uma saída para o
aprisionamento mental moderno, promovido pela escola e, até mesmo, cada vez
mais, pela universidade;
c) Este
texto procura trabalhar aspectos essenciais do novo constitucionalismo e não
pretende se perder em demonstrações de conhecimento de autores e obras. É um
texto para diálogo e reflexão, partindo do pressuposto da leitura de textos que
são básicos para a compreensão da teoria da constituição moderna e logo sua
crítica. Os sentidos (os significados) dos significantes utilizados neste
texto, estarão presentes neste texto.
d) Trata-se
de um texto para discussão e posterior aprofundamento ponto a ponto, sem
nenhuma pretensão de verdade, o que, inclusive, o texto contesta.
e) Este
texto contém uma estrutura básica que será constantemente revisitada, a partir
o diálogo que ele for capaz de estabelecer. Assim será lido, relido, reescrito,
modificado e aprofundado sempre que parecer necessário.
Neste
primeiro artigo começaremos a desenvolver o conceito de modernidade,
compreendendo o seu sentido histórico.
1- Qual
modernidade?
Com a finalidade de estabelecer os
contornos do que chamamos de modernidade, com a qual pretendemos romper, vamos
trabalhar alguns pontos que podemos encontrar recorrentemente no pensamento
hegemônico moderno, em autores, discursos e práticas. Perceberemos que em
diversos momentos das histórias e estórias deste período, nas tentativas de
resistência, nas assimilações, nas tentativas de rupturas, e inclusive nas
revoluções durante a modernidade, onde aparentemente ocorreram rupturas, estes
pontos (um, alguns ou todos) aparecem de forma insistente, como armadilha que
nos impede de fugir do círculo vicioso, aparentemente interminável, da prisão
moderna.
Nos conceitos de história e estória
encontramos a modernidade aprisionando o sentido, criando a história oficial
com suas datas e personagens, mitos do herói nacional, de guerras heroicas que
ajudam a construir a identidade nacional, forjada sobre o reconhecimento de
alguns e o ocultamento de muitos. Quem conta a história? Qual história?
História ou estória? A história é morta, oficial, presa a datas e nomes. A
estória é viva, memória, diversa, plural e em permanente processo de
transformação. Aliás, porque retiraram a palavra “estória” dos dicionários? Não
podemos aceitar que “gramáticos” oficiais venham dizer o sentido das palavras
ou venham decretar o fim de “palavras”. Citando Rubem Alves[14]:
“Tenho
raiva dos gramáticos. Fernando Pessoa também tinha. Os gramáticos se sentem no
direito de proibir palavras. Tiraram ‘estória’ do dicionário. Agora só se pode
dizer ‘história’. Mas o que tem ‘história’ a ver com ‘estória’? ‘A estória não quer tornar-se história’, dizia
Guimarães Rosa. A história acontece no tempo que aconteceu e não acontece mais.
A estória mora no tempo que não aconteceu para que aconteça sempre.”
Podemos dizer que a história, desta
forma congelada, é uma impossibilidade, logo uma distorção proposital, uma
estratégia de construção de uma identidade forjada. A história na modernidade
tem a função de ocultar as estórias. É a substituição de várias visões,
compreensões e perspectivas por uma única versão, morta, recontada infinitas
vezes para reafirmar uma única identidade, com seu monte de nomes e datas. Vi
escrito em um muro da Faculdade de Filosofia da UFMG: “Haja presente para tanto
passado”. A história é passado, a memória é presente. Difícil construir algo
novo com tanto passado nos aprisionando. Daí talvez seja interessante pensar em
um processo de psicanálise coletiva, como resgate da estória como forma de
agir, com a liberdade possível decorrente do conhecimento desocultado. A
história oficial aprisiona e a memória pode nos tornar fortes para construir um
presente diverso. Há um passado que aprisiona, mas há uma construção coletiva
da memória que pode nos permitir alguma liberdade.
Vamos perceber que nas revoluções que
ocorrem no período moderno, nos movimentos de contestação, as tentativas de
fazer diferente (as infiltrações), quase sempre (quando não foi?) caem nas
armadilhas modernas, ou são, simplesmente, modernas. Voltamos a fazer de novo,
repetindo práticas com as quais queríamos romper, ou então queremos romper com
algo que não sabemos muito bem o que é. Daí a importância de identificar alguns
pontos (elementos da modernidade, que caracterizam a modernidade), que
recorrentemente se apresentam, repetem, voltam, como fantasmas que nos aprisionam
neste círculo moderno.
Vamos então à análise de alguns destes
eixos. Como um texto para reflexão e discussão, importante que o leitor
identifique ou rejeite, de forma fundamentada, os eixos ou pontos essenciais da
modernidade, aqui enumerados. A modernidade pode ser entendida como uma
realidade de poder e um projeto de poder, responsáveis pela construção do
estado moderno, da economia moderna e do direito moderno, a partir de uma data
simbólica que nos delimita o espaço temporal desta realidade: 1492.
Porque 1492? Vamos pensando a
modernidade na companhia de Enrique Dussel.[15]
Em 1492 temos três eventos
(acontecimentos)[16]
importantes:
a) A
invasão da “América”[17]
pelos “europeus”[18],
marcando o início da construção da hegemonia europeia que marca a modernidade. Invadiram
também o “resto” do mundo: África[19],
Ásia[20] e
Oceania[21]. Está
aí a origem da lógica binária subalterna do nós versus eles. Nós os
civilizados, nós os bons, nós os europeus versus eles, os bárbaros, selvagens,
muçulmanos, inferiorizados (o projeto moderno é um projeto narcisista)
b) A
expulsão do “outro” diferente (o muçulmano) do que se constituirá como Espanha.
A queda do Reino de Granada. Este momento histórico marca um dos movimentos da
modernidade: a expulsão dos mais diferentes (judeus e muçulmanos) a
uniformização dos menos diferentes (os povos que habitavam a península ibérica
antes da chegada dos “outros diferentes”. A uniformização pela subalternização
violenta de catalães, valencianos, bascos, galegos e outros que se transformam
na nova nacionalidade inventada: espanhóis.
c) Ainda
em 1492 temos a primeira gramática normativa: o castelhano. Está aí o
aperfeiçoamento do controle do pensamento. Da limitação da compreensão do mundo
pelos seus signos e significantes e pela hegemonia na determinação dos significados.
Temos
então alguns movimentos importantes
para entender o que estamos chamando de modernidade: a invasão da “América”
começando a construção da hegemonia militar, econômica e cultural europeia que
se estenderá por boa parte do planeta; a expulsão do mais diferente (o
muçulmano e o judeu) da península ibérica e a uniformização dos considerados
menos diferentes (bascos, galegos, catalães, valencianos). Importante
lembrar que neste momento ocorre o início do processo de formação do estado e do
direito modernos. Buscando a essência dos movimentos deste tempo, podemos dizer
que este estado que começa a ser construído, ocupará o espaço intermediário dos
três grandes espaços de poder: o espaço macro territorial dos impérios,
descentralizados, multiétnicos e multilinguístico; o espaço do reino, também
complexo, onde será construído o estado nacional com seu projeto uniformizador;
e o espaço local, onde estava então o poder feudal.
Mais
um movimento precisa ser lembrado e que pode ainda hoje ser facilmente
reconhecido: o estado moderno surge de
uma necessidade de segurança de nobres, ameaçados pelos servos em rebelião, e
dos burgueses, ameaçado por estas mesmas rebeliões que levavam estes servos
rebeldes até os burgos, as cidades. A necessidade de um poder centralizado,
armado, hierarquizado foi fundamental para conter a rebelião e reordenar a
sociedade e a economia criando as condições para o desenvolvimento da economia
moderna, capitalista. Daí a aproximação (forçada ou estratégica) dos nobres do
rei, e dos burgueses, deste mesmo rei. A burguesia se desenvolve sob a proteção
do rei e do estado absolutista e depois rompe com o rei e a nobreza ou
reestrutura a relação de poder, a partir das revoluções burguesas (Inglaterra,
Holanda, França e a guerra de independência dos EUA). Note-se a aliança ainda
em vigor em boa parte da Europa entre a burguesia, os nobres e o monarca
(Suécia, Holanda, Espanha, Reino Unido, Bélgica, Dinamarca entre outros).
Lembremos
mais uma vez que o Estado Moderno cria as condições para a viabilidade e
expansão capitalista. Sem Estado Moderno não haveria capitalismo. O Estado
Moderno trouxe instituições fundamentais para o sistema econômico moderno
capitalista que nos acompanham até hoje: o povo nacional, domado, uniformizado,
normalizado; os bancos nacionais; as moedas nacionais; a burocracia estatal e a
administração do sistema tributário; o controle da população, dos rebanhos, da
produção agrícola e industrial (os censos); a polícia nacional (para conter os
excluídos); os presídios e manicômios para estocar o excedente não absorvido
pela economia para a finalidade de exploração de mão de obra e guardar os não
adaptados; e os exércitos nacionais, responsáveis pela invasão do mundo pelas
novas potencias, garantindo com isto os suprimento de recursos naturais e mão
de obra escrava e depois barata, para as economias capitalistas hegemônicas.
Quais
são, portanto, os eixos ou pontos que caracterizam a modernidade? Vamos
procurar, nos próximos texto, identificar cada um destes eixos até os nosso
dias, nesta segunda década do século XXI. Este exercício é fundamental para
entendermos como estamos mergulhados nos instrumentos e dispositivos modernos
de exclusão, dominação e uniformização.
[1]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional,
Editora Juruá, Curitiba, 2012.
[2]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado
constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2 edição, 1999.
[3]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. “Democracia e Constituição: tensão histórica no
paradigma da democracia representativa e majoritária – a alternativa
plurinacional boliviana” in MAGALHÃES, José Luiz Quadros e outros,
“Constitucionalismo e democracia”, Editora Campus Jurídico – Elsevier, Rio de
Janeiro, 2012.
[4]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. “Bioética no Estado de Direito Plurinacional” in
“Filosofia y Ciencia Política, IX Jornadas de Filosofia y Ciencia Política”;
Compilado por Pablo E. Slavin, 1 ed. Mar del Plata, Universidad Nacional de Mar
del Plata, 2009.
[5]
MAGALHÃES. José Luiz Quadros e WEILL, Henrique. “Estado plurinacional: matrizes
para a releitura do direito internacional moderno” in LONDERO, Josirene Cândido
e GONÇALVES, Denio. Cidadania e construção do espaço público, Universidade
Federal de Pelotas editora, Pelotas, 2012.
[6]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. "El Estado Plurinacional como referencia
teorica para la construcción de un estado de derecho Internacional" in
Estado de Derecho Internacional, 1 ed. Ciudad de Mexico; Instituto de
Investigaciones Juridicas - Universidad nacional autonóma de México; 2012, v.1,
p. 30-45.
[7]
MAGALHAES, José Luiz Quadros.
AFONSO, Henrique Weil. O Estado Plurinacional da Bolívia e Equador: matrizes
para um releitura do direito internacional moderno; Anuário Mexicano de Direito
Internacional, volume XII, 2012, pp. 455-473, México, D.F., ISSN 1870-4654 e
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. SOUZA, Tatiana Ribeiro de. Violência e
modernidade: o dispositivo de narciso. A superação da modernidade na construção
de um novo sistema mundo. Anuário Mexicano de Direito Internacional, Décimo
aniversário, 2012, pp. 143-167, México, D.F., ISSN 1870-4654.
[8]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros e WEIL, Henrique. “O Estado Plurinacional como
paradigma para construção de novos arranjos internacionais” in ALVAREZ, Jaime
Angel; Aportes para una filosofia del sujeto, e desenvolvimento y el poder,
Bogotá, Universidad Libre, 2012; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. “O estado
plurinacional da Bolívia e Equador” in FUENTES CONTRERAS, Edgar Hernan. Perspectivas
Iberoamericanas de assuntos constitucionales, Universidade de Bogotá Jorge
Tadeu Losan, Facultad de Ciencias Sociales, programa de Derecho, Bogotá, 2012.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros e WEILL, Henrique. “Bioética en el Estado de
Derecho Internacional” in ALVAREZ, Jaime Angel. Filosofia y Ética:
Deliberaciones sobre política y globalizacion, Universidad Libre, Bogotá, 2011.
[9]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. “Direito à diversidade e o Estado plurinacional”,
editora Arraes, Belo Horizonte, 2012.
[10]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros e COELHO, Nuno Manoel Morgadinho dos. “O STF e a
interpretação da Constituição – casos paradigmáticos em direitos fundamentais”,
Editora Fórum, Belo Horizonte, 2012.
[11]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros, “A Constituição de 1988 e a construção de um novo
constitucionalismo democrático na América Latina” in RIBEIRO, Patrícia
Henriques; GUERRA, Arthur Magno e Silva Guerra; BERNARDES, Wilba Lúcia Maia; e
ANDRADE, Juliana Campos Horta de. “25 anos da Constituição Brasileira de 1988 –
democracia e direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito”, Editora
D’Plácido, Belo Horizonte, 2013.
[12]
Alguns dos textos mencionados e muitos outros, assim como vídeos, entrevistas e
palestras, podem ser encontrados nos meus dois blogs:
[13]
JUBILUT, Liliana; MAGALHÃES, José Luiz Quadros; BAHIA, Alexandre Melo Franco.
Direito à diferença, 3 volumes, São Paulo, Editora Saraiva, 2013.
[15]
DUSSEL, Enrique. “1492: el encobrimiento del outro – hacia el origem del mito
de la modernidade, La Paz, Bolivia, Editora Plural, 1994.
[16]
Sobre a necessidade de um “acontecimento” (um evento) para que as pessoas mais
do que compreendam, percebam (sintam) o real encoberto: ler BADIOU, Alain. São
Paulo, Editora Boitempo, São Paulo, 2009.
[17]
Nome dado pelo invasor.
[18]
Entendendo que, o que se convencionou como “Europa” também representa a visão
dos grupos sociais e étnicos que se tornaram hegemônicos.
[19]
Apenas como exemplo da expansão “europeia” com a
invasão e colonização do mundo podemos lembrar o caso de Angola: “Na foz do Rio
Congo, em 1482, ocorreu o primeiro contato com o português Diogo Cão. A relação
de Portugal com o reino do Kongo evoluiu principalmente a partir de 1506,
quando o comércio de escravos teve um grande impulso, tendo em vista que os
portugueses precisavam de mão de obra barata para as grandes plantações de
cana-de-açucar, que estavam estabelecendo no Brasil. Em 1568, o reino do Kongo
foi atacado por Jaga e, para defender-se, pediu o auxílio de Portugal, que
enviou o governador de São Tomé no comando de um força armada para expulsar os
invasores. Depois de lutar de 1571 a 1573, o governador ocupou o reino do Kongo
e conquistou as terras mais ao sul, que era território do Mbundu, fundando a
colônia de Angola”. (VISENTINI, Paulo Fagundes. “As revoluções Africanas –
Angola, Moçambique e Etiópia”, editora Unesp, São Paulo, 2012). Importante
lembrar que a Etiópia foi o único “país” a não ser transformado em colônia de
um Estado europeu. Mesmo assim, claro, não escapou das políticas coloniais e
das práticas neocoloniais. Foi invadida pela Itália pouco antes da segunda
guerra mundial, mas o domínio direto italiano durou pouco. Entretanto perdeu
parte de seu território como consequência das políticas coloniais: o caso da
Eritréia. A Conferência
de Berlim foi realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26
de fevereiro de 1885. Esta Conferência “organizou” a ocupação da África pelas potências coloniais. As divisões políticas dos “novos estados
nacionais” não respeitou, propositalmente, é claro, nem a história, nem as relações étnicas e
mesmo familiares dos povos do continente. O congresso foi
proposto por Portugal e organizado pelo Chanceler Otto von Bismarck da Alemanha assim como participaram ainda a GrãBretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano. O Império Alemão,
país anfitrião, não possuía colônias na África, mas, tinha esse desejo e viu-o
satisfeito, passando a administrar o “Sudoeste Africano” (atual Namíbia) e o Tanganica; os Estados Unidos possuíam
uma colônia na África, a Libéria,
só que muito tarde, mas eram uma potência em ascensão e tinham passado
recentemente por uma guerra civil (1861-1865) relacionada com a abolição da escravatura naquele país; a Grã-Bretanha tinha-a
abolido no seu império em 1834;
a Turquia também não possuía colónias na África,
mas era o centro do Império Otomano, com interesses no norte de África e os
restantes países europeus que não foram “contemplados” na partilha de África, também eram potências comerciais
ou industriais, com interesses indiretos na África.
[20]
O processo de ocupação e
exploração do continente asiático por parte das potências europeias ocorreu, principalmente,
no século XIX. No entanto, esse processo não aconteceu de maneira igual,
variando de região para região. Até o século XIX os asiáticos quase não
mantinham contato com os povos europeus, salvo os viajantes comerciantes.
[21]
A Oceania foi o último
continente ocupado pelos europeus. O território que hoje conhecemos como
Austrália foi ocupado desde cerca de 40 mil anos atrás por povos que foram
chamados pelo invasor de aborígenes.
A Oceania, assim como a América, contava já há muito tempo com a existência de
suas civilizações locais, logo, não era uma terra virgem para o “descobrimento”.