UMA
CONVERSA COM OS IRMÃOS UMBANDISTAS: as eleições como provação para o
crescimento espiritual
Irmãos sabemos que a
Umbanda tem elementos de várias religiões, mas mesmo assim ela é uma religião
independente que tem seus próprios dogmas e rituais. É uma religião diversa,
onde nada nem ninguém é excluído, ao contrário todos que tiverem algo a
acrescentar são bem-vindos.
Mas não quero conversar
hoje sobre a espiritualidade de nossa religião. Hoje quero conversar sobre a
história e os riscos que corremos por sermos umbandistas.
SIM! Corremos risco só
pelo fato de sermos umbandistas e seguirmos nossa fé.
Nossa história é uma
história de perseguição. Desde 1908, ano em que nossa religião foi revelada
pelas entidades para nós (seres encarnados), que somos perseguidos.
Em 1908 o Estado Brasileiro não era um estado realmente laico, mesmo com o
Decreto 119-A de 1890 decretando a separação entre o Estado e a Igreja. A
igreja Católica era muito influente no Estado e na sociedade. Utilizando essa
influência ela perseguia as demais denominações religiosas. A Umbanda foi
considerada como sendo magia negra, que era crime à época. Assim seus integrantes
poderiam ser presos e até mortos.
Quando não temos um
Estado laico temos o risco de sofrer com esse tipo de perseguição.
A Umbanda já nasceu sendo excluída, nasceu com a população mais humilde, ao
lado das pessoas mais necessitada, surgiu do amor e da caridade.
Mas atualmente vivemos em
um país laico(?). Sabemos que o Brasil é um país violento e intolerante. E
continuamos sofrendo com a perseguição das pessoas intolerantes e dos
fundamentalistas religiosos que pregam uma guerra santa. Isso é de fácil
constatação como vemos quantos terreiros são queimados e quantos irmãos são
agredidos verbal e/ou fisicamente. Eu mesmo, por várias vezes, fui agredido
verbalmente. Graças a Olórun não fui agredido fisicamente nem meu terreiro foi
invadido (mas tenho esse receio diariamente).
A nossa luta por
reconhecimento e respeito é diária. Um exemplo é que só em 2016 o governo
federal editou uma norma que incluía os terreiros de Umbanda como sendo um
templo religioso e sendo assim teria direito a isenção fiscal do IPTU. Antes
disso cabia às prefeituras dizer se concederiam isenção ou não. Lembrando que
esse direito é garantido na constituição federal de 1988 a todos os templos
religiosos.
Mas estamos em risco.
Temos a possibilidade de
vermos a nossa perseguição aumentar exponencialmente.
Isso pode ocorrer a
depender do desfecho das eleições presidenciais.
Nossa religião foi
perseguida pelo Estado e pela sociedade durante todo o período em que o Estado
se confundia com a Igreja Católica. E de certa forma ainda é perseguida.
Mas agora a ameaça é
outra. Mas com o mesmo problema.
Quando o candidato a
presidência Jair Bolsonaro diz: "Como somos um país cristão; Deus acima de
tudo! Não tem essa historinha de estado laico não, é estado cristão! E a
minoria que for contra que se mude! Vamos fazer o Brasil para as maiorias e as
minorias têm que se curvar as maiorias! As leis devem existir para defender as
maiorias, as minorias se adequam, ou simplesmente desapareçam!". Ele
demonstra que deseja voltar à época de perseguição. E mais que isso, revela sua
intenção, a partir do Estado e de seus seguidores, de exterminar todas as
pessoas que seguem alguma religião não cristã. Ou seja, ele literalmente ameaça
a vida de todos os irmãos umbandistas. Pois, ou nós nos mudamos de país, ou
mudamos de religião ou devemos desaparecer.
Estamos em risco, risco
de morte.
Não minimizarei a fala do
candidato, pois quando Hitler ascendeu ao poder na Alemanha os judeus
acreditaram que as instituições democráticas o impediria de os perseguir. Como
sabemos as instituições foram utilizadas para perseguir os judeus. Não estou
comparando Bolsonaro com Hitler, até porque cada um deles é homem do seu tempo.
Não acho correta nem honesta tal comparação. Só trouxe um fato histórico para
corroborar com minha preocupação. Eu poderia trazer outros, como por exemplo a
história do Reino do Congo após a conversão de Nkuwu Nzinga ou Rei João I ao
cristianismo.
Mas se o irmão ainda
assim quer arriscar e prefere acreditar nas instituições tenho outros motivos
para não votarmos em uma pessoa como ele.
Ele é o oposto de tudo
que pregamos em nossa vivência religiosa. Uma pessoa que deseja excluir, caçar,
subjugar, violentar, inferiorizar, etc. os negros, as mulheres, os LGBTs,
indígenas e qualquer pessoa ou grupo de pessoas que ele julga como sendo
impróprio para viver na sociedade. Ele age com ódio. Nós irmãos agimos com
amor. Estamos aqui para ajudar as pessoas independente de quem ou o que elas
sejam. Nós não estamos encarnados para julgar o irmão, pois ele tem a própria
batalha para se elevar espiritualmente.
Nossa religião nasceu com/dos excluídos, na verdade somos uma das minorias
excluídas até hoje em nossa sociedade.
Devemos sempre lembrar
que vários de nossos guias sofreram com a exclusão enquanto estavam encarnados.
Devemos ser fiéis a nossa
fé. Esse é um momento de provação, onde podemos crescer espiritualmente. Não
destile ódio, multiplique amor.
Quando Bolsonaro fala que
defende a família brasileira (lembrando que para ele nós somos inimigos desta
família), mas ao mesmo tempo discrimina a maior parte da população. Ele
demonstra que a família para ele são os iguais. Mas aprendemos com nossa
religião que todos somos irmãos. Então devemos defender a família brasileira!
Defender a família brasileira de quem quer exterminar parte dela, de quem que
semear o ódio entre irmãos.
Sabíamos que este seria
um ano de provações, seria um ano difícil. Isso porque teríamos de lidar com
nossos erros do passado. Esse ano é ano de Xangô. Ele com seu machado é sempre
justo. Este ano é um ano perfeito para promovermos a nossa evolução espiritual
e mostrar que em nós cabe amor e não ódio.
No dia 28/10 devemos
votar contra a pessoa que deseja nos perseguir, nos matar, dividir a família
brasileira, colocar irmão contra irmão, semear o ódio e a violência. Devemos
votar em Haddad, não necessariamente por gostar dele, menos ainda por gostar do
partido dele. Mas para que possamos sobreviver. Para que possamos professar
nossa fé. Para que não tenhamos medo só por existirmos. Para que possamos
continuar a ajudar as pessoas. Para que nenhum irmão seja perseguido ou
violentado. Lembrando que mesmo com a vitória de Haddad nós continuaremos
lutando por igualdade. Haddad é a única possibilidade de nos posicionarmos
contra o nosso extermínio.
Que todos tenham muito
axé na vida!
Discurso do Bolsonaro
citado no texto vide:
https://www.youtube.com/watch?v=BCkEwP8TeZY
Paulo Henrique Borges da
Rocha
O autor tem mais de dez
anos na religião Umbanda; Formado no curso de Teologia Umbanda pelo Templo
Escola Ogum Sete Espadas; Doutorando em Direito Internacional pela PUC/MG;
Mestre em Direito Constitucional pela FDSM; Pesquisador jurídico; Professor
Universitário e advogado.