Programa Contraponto Cultura da TV Comunitária de Belo Horizonte com Tatiana Ribeiro de Souza e José Luiz Quadros de Magalhães entrevistando a professora da PUC Minas Lusia Ribeiro Pereira sobre a obra de Walter Benjamin:
Um espaço para pensar e discutir política, direito, arte e qualquer outro assunto que nos permita buscar desocultar o que querem insistentemente esconder.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
quinta-feira, 23 de maio de 2013
1325- Precisamos fechar Guantánamo
Caros amigos,
-- a prisão mais polêmica do planeta.
Obama tem sido pressionado a responder sobre a prisão em um discurso público: mais de 100 detentos estão em greve de fome e a ONU denunciou a alimentação forçada como uma prática de tortura. Se um número significativo de nós exigir um plano de ação, Obama poderia libertar os prisioneiros que já têm autorização para ser soltos ou transferidos e nomear um oficial da Casa Branca com uma missão: fechar Guantánamo!
Estamos em um momento decisivo. Assine para exigir que Obama feche essa versão americana dos porões da ditadura e compartilhe os fatos chocantes abaixo, trazendo mais pessoas para esse apelo mundial:
http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084
Os fatos falam por si próprios:
Assine agora para exigir que Obama anuncie um plano para fechar Guantánamo, e compartilhe essa campanha com todos. Vamos construir um protesto global urgente para dar um fim a essa vergonha.
http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084
Durante a sua primeira campanha presidencial, Obama prometeu fechar Guantánamo. Essa prisão, ilegal e repulsiva, já causou sofrimento demais e alimentou a divisão e o ódio por todo o mundo. Basta. Vamos fazer com que Obama tome medidas e feche essa cicatriz que ficou na humanidade.
Com esperança e determinação,
Dalia, Joseph, Allison, Bissan, Nick, Alice, Ricken e toda a equipe da Avaaz
PS - Muitas campanhas da Avaaz foram começadas por membros da nossa comunidade! Comece a sua própria campanha agora e obtenha a vitória sobre qualquer questão, seja ela local, nacional ou global: http://www.avaaz.org/po/petition/start_a_petition/?bgMYedb&v=25040
Mais informações:
Obama abordará Al-Qaeda, drones e Guantánamo em discurso na quinta (G1)
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/obama-fala-sobre-al-qaeda-drones-e-guantanamo-em-discurso-de-quinta-feira-1.html
Presos de Guantánamo chegam aos 100 dias de greve de fome (Brasil de Fato)
http://www.brasildefato.com.br/node/12944
Imagem de Obama sofre com fracasso em Guantánamo (Estadão)
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,imagem-de-obama-sofre-com-fracasso-em-guantanamo,1033428,0.htm
Editorial: Ainda Guantánamo (Folha de S. Paulo)
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/05/1272522-editorial-ainda-guantanamo.shtml
Manifestantes fazem protesto contra a prisão de Guantánamo na Inglaterra (G1)
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/manifestantes-fazem-protesto-contra-prisao-de-guantanamo-na-inglaterra.html
-- a prisão mais polêmica do planeta.
Obama tem sido pressionado a responder sobre a prisão em um discurso público: mais de 100 detentos estão em greve de fome e a ONU denunciou a alimentação forçada como uma prática de tortura. Se um número significativo de nós exigir um plano de ação, Obama poderia libertar os prisioneiros que já têm autorização para ser soltos ou transferidos e nomear um oficial da Casa Branca com uma missão: fechar Guantánamo!
Estamos em um momento decisivo. Assine para exigir que Obama feche essa versão americana dos porões da ditadura e compartilhe os fatos chocantes abaixo, trazendo mais pessoas para esse apelo mundial:
http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084
Os fatos falam por si próprios:
- Número atual de presos em Guantánamo: 166
- Presos com acusações pendentes: 6
- Presos cuja liberdade imediata foi garantida, mas que continuam sob custódia: 86
- Detentos de Guantánamo em greve de fome: 103
- Detentos em greve de fome que foram forçados a comer: 30
- Prisioneiros que morreram em custódia: 9
- Crianças detidas pelos EUA em Guantánamo: 21
- Presos julgados em um tribunal civil: 1
- Presos sem direito à liberdade pois não podem ser julgados devido a falta de provas ou tortura: 50
- Prisioneiros libertados pelo governo Bush: 500+
- Prisioneiros libertados pelo governo Obama: 72
- Custo anual da prisão aos cidadãos dos EUA: US$150 milhões
- Dias passados desde que Obama prometeu fechar Guantánamo: 1580
- Dias passados desde que os prisioneiros chegaram em Guantánamo: 11 anos, 4 meses, 12 dias
Assine agora para exigir que Obama anuncie um plano para fechar Guantánamo, e compartilhe essa campanha com todos. Vamos construir um protesto global urgente para dar um fim a essa vergonha.
http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084
Durante a sua primeira campanha presidencial, Obama prometeu fechar Guantánamo. Essa prisão, ilegal e repulsiva, já causou sofrimento demais e alimentou a divisão e o ódio por todo o mundo. Basta. Vamos fazer com que Obama tome medidas e feche essa cicatriz que ficou na humanidade.
Com esperança e determinação,
Dalia, Joseph, Allison, Bissan, Nick, Alice, Ricken e toda a equipe da Avaaz
PS - Muitas campanhas da Avaaz foram começadas por membros da nossa comunidade! Comece a sua própria campanha agora e obtenha a vitória sobre qualquer questão, seja ela local, nacional ou global: http://www.avaaz.org/po/petition/start_a_petition/?bgMYedb&v=25040
Mais informações:
Obama abordará Al-Qaeda, drones e Guantánamo em discurso na quinta (G1)
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/obama-fala-sobre-al-qaeda-drones-e-guantanamo-em-discurso-de-quinta-feira-1.html
Presos de Guantánamo chegam aos 100 dias de greve de fome (Brasil de Fato)
http://www.brasildefato.com.br/node/12944
Imagem de Obama sofre com fracasso em Guantánamo (Estadão)
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,imagem-de-obama-sofre-com-fracasso-em-guantanamo,1033428,0.htm
Editorial: Ainda Guantánamo (Folha de S. Paulo)
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/05/1272522-editorial-ainda-guantanamo.shtml
Manifestantes fazem protesto contra a prisão de Guantánamo na Inglaterra (G1)
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/manifestantes-fazem-protesto-contra-prisao-de-guantanamo-na-inglaterra.html
terça-feira, 21 de maio de 2013
1325- Direito dos Povos Indígenas na atualidade - artigo de Heloísa Greco
Seminário "Direito dos Povos Indígenas na atualidade”
Primeiro Painel: Violação dos Direitos Humanos
2013 / CIMI e Gedin / Faculdade de Direito da UFMG
Heloísa Greco
*Este artigo foi apresentado no seminário acima e é parcialmente baseado no
capítulo I (A construção da cultura
repressiva: processo histórico de longa duração) da minha tese de doutorado (Dimensões
fundacionais da luta pela anistia), defendida em 2003 no Departamento de
História da FAFICH-UFMG.
Procurei
articular minha exposição a partir de duas provocações presentes na
justificativa e nos objetivos específicos deste seminário: a desmisticação da visão historicamente construída que se tem do índio – e isto
diz respeito à própria construção da nacionalidade - ; e o papel da ditadura
militar na exacerbação das graves violações dos direitos humanos em geral e
daquelas sofridas pelos índios em particular.
A construção da cultura repressiva no
Brasil é matéria de longa duração gestada
no processo de construção letrada da nacionalidade brasileira. Tal construção formulou um discurso orgânico
que consolidou o que Henrique Samet chamou de construção da brasilidade
excludente cujo pressuposto é o seguinte: “Estado
e nação precisam de povo, mas não obrigatoriamente de cidadãos”. A exclusão estrutural , a opressão econômica
e o exercício da violência institucional
explícita, seriam a própria razão de ser
da nacionalidade brasileira - uma nacionalidade
sem cidadania[1], forjada
em nome da manutenção dos interesses das oligarquias e das elites dominantes.
Caio Prado Junior identifica o núcleo duro
deste processo no binômio herança
escravocrata / estrutura fundiária baseada na grande exploração agrícola. Trata-se, segundo ele, “daquele passado que parece longínquo, mas que nos cerca de todo lado”-
“o passado que nos fez”.[2] O Brasil contemporâneo é o resultado possível
dessa herança ubíqua do escravismo.
A construção da brasilidade excludente encontra fiel tradução no projeto do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) de “criar
uma idéia de Brasil que atendesse os requisitos da construção da ordem”[3]. Também no Brasil a consolidação da história
enquanto disciplina coincide cronológica e ideologicamente com a consolidação
do Estado nacional, o que determina o vício de origem da nossa
historiografia: indisfarçável e
assumidíssimo atrelamento ao poder estatal e aos interesses dominantes.
A preocupação exclusiva com a construção do
Estado nacional ao longo do século XIX significa na prática a confirmação da
hegemonia política das elites dirigentes, a legitimação da brutal desigualdade
da sociedade escravista e da violência extremada sobre as populações
originárias. Significa também a
preservação das raízes portuguesas e da monarquia, vendida como única garantia da ordem, da
unidade e da identidade nacionais[4]. O liberalismo heterodoxo e fora de
lugar assim engendrado - como diz
Roberto Schwartz[5] - revela a essência da jovem nação, construída
segundo a imagem e semelhança das classes senhoriais latifundiárias e escravocratas: só elas tinham as prerrogativas da liberdade
e da cidadania (leia-se propriedade), logo, o resto da sociedade deveria ser
mantido meticulosa e radicalmente alijado
- os mundos deveriam ser conservados rigorosamente
separados.
É
destacada aí a força da instituição do índio como símbolo da identidade
nacional, resultado da poderosa combinação do “amálgama das três raças”, proposto por Von Martius[6]
como núcleo da singularidade do país, com o
indianismo do nosso romantismo literário[7],
do qual José de Alencar é um dos exemplos mais representativos.[8]
Na configuração deste mito - que Alfredo
Bosi caracteriza como “simbiose
luso-tupi”[9] - o papel de
rebelde e de elemento genuinamente americano em oposição ao conquistador branco
só é permitido às nações já há muito extintas (os Tupi-guarani, por exemplo). O índio é “servo voluntário” e “vassalo
fidelíssimo” do colonizador generoso e magnânimo, portador da civilização. Ele aparece, então, como síntese de esquema
sem antítese, cujo desfecho é o seu sublime desaparecimento, ou melhor, sua
desintegração - enquanto indivíduo,
cultura, saberes e etnia -
objetivo último do processo de
miscigenação que visava o “branqueamento
natural” da sociedade.[10] Além de genocídio,
podemos falar em epistemicídio institucionalizado. É este o índio instituído como elemento
definidor da nação: índio bom é índio integrado ou índio morto.
Este mito fundador da brasilidade é também
“mito sacrificial” (Alfredo Bosi). Traz
em seu bojo uma das mais persistentes matrizes explicativas da nossa
singularidade: aquela que define a boa índole, a cordialidade, a passividade e
a informalidade como características ontológicas da população. Esta questão é tipificada com maestria no homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda [11], que simboliza uma sociedade marcada pela completa
promiscuidade entre público e privado com franco favoritismo do segundo em
detrimento do primeiro. O homem cordial
não se adequa representa o protótipo (arquétipo?) do não-cidadão; o seu
locus é a esfera do privado.[12]
Nos quadros dessa matriz explicativa,
a docilidade brasileira é colocada como
representação correlata da docilidade da dominação. Estamos diante de outro mito construído na gestação da nacionalidade sem cidadania: o mito
da história
incruenta. A violência do opressor é
ao mesmo tempo negada e legitimada como necessidade histórica para a consecução
de um bem maior: a moral, a religião, os
bons costumes, a modernidade, a civilização, enfim, a construção da ordem. A esta idéia de “povo inercial”[13] é acoplada outra
ainda mais radical, a de sociedade inexistente.
No projeto de ordenação política da nossa
República, a lógica
segregacionista dos urbanistas e da modernização produz modelos espaciais cujo objetivo é proteger as elites contra as multidões, que
deveriam se manter o mais afastadas possível.
A Cidade passa a ser considerada “área de risco”,[14]portanto,
objeto de regulação e quadriculação permanentes. É nesse contexto de criminalização dos
espaços públicos que se dá a emergência
do conceito de classes perigosas, que são também as classes torturáveis. as eternas classes indesejáveis:. subversivos, marginais e desclassificados de
todos os matizes, todos no mesmo balaio.
Trata-se já da construção do processo
perverso de estereotipia e estigmatização das classes populares, das etnias não
hegemônicas e dos movimentos sociais. Todos são
suspeitos permanentes, fenômeno tão familiar para nós, cidadãos brasileiros do início do chamado terceiro
milênio. Mais uma vez está colocada a necessidade histórica da violência – e da
quadriculação – em nome da construção da ordem,
missão que passa a ser
materializada na montagem paulatina de aparelho repressivo policial e político
inspirado ao mesmo tempo na violência da tradição escravocrata e no
cientificismo então em voga. Haveria que se garantir a maior eficiência
possível no combate ao perigo maior – as
massas populares. A matriz discursiva
desse conjunto de representações – formulada pelo movimento higienista[15]
- articula organicamente “contaminação, nocividade e subversão” [16]
[17].
Seu determinante racista foi levado aqui
às máximas consequências. O higienismo brasileiro institui
a noção de periferia social, geográfica e demográfica e a urgência do
estabelecimento de fronteiras profiláticas separando as zonas civilizadas das
zonas selvagens para evitar o alastramento da pandêmica degradação moral das classes perigosas. Nesta lógica não é o mal que deve ser
erradicado, mas quem o pratica. Seu desdobramento é o que Henrique Samet
considera o próprio “cerne da construção da brasilidade excludente”: a possibilidade da criação de conceitos
radicais que compreendem a existência do inimigo e a necessidade de sua eliminação.[18]
Nos anos 1930, sobretudo com a ditadura do Estado Novo
(1937-1945), o papel do Estado é novamente redesenhado, processo hegemonizado pelo pensamento anti-liberal,
contra-revolucionário e anti-democrático[19],
galvanizado sobretudo por Oliveira Vianna[20]. Coloca-se a necessidade de um Estado forte
dirigido por um líder imbuído da missão histórica que prevê a formulação da
nova identidade baseada na integração
nacional e no enquadramento das massas.
O Estado é
considerado sujeito exclusivo da história, sua capacidade demiúrgica é levada
às últimas consequências. Discursos que
articulam nação una, integrada e coesa;
ufanismo e nacionalismo exacerbados; e enaltecimento do trabalho constituem a sustentação ideológica deste
processo. São também estes discursos que
engendram as políticas indigenistas praticadas. Tudo isto é energizado pela doutrina da conciliação e
cooperação de classes. Trata-se da consubstancialidade e indivisibilidade
sociedade/Estado/nação. [21]
A
matriz interpretativa do amálgama das três raças é reatualizada com o mito da
democracia racial de Gilberto Freire.[22] Os trabalhadores são alvo de ofensiva de cooptação e aplastramento . Carlos Fico chama
atenção para o fato de que as matrizes ideológicas do Estado Novo serão
re-significadas pela ditadura militar[23].
A partir destes
elementos, Eliane Dutra aponta a
existência de uma “disposição totalitária” no Brasil dos anos 30 que teria deixado marcas e efeitos residuais
renitentes no nosso imaginário político.[24]
Esta disposição totalitária não se
restringe à esfera do simbólico, mas se concretiza em instrumentos ostensivos
de coerção como a montagem de aparelho
repressivo adequado à mais extrema repressão policial e política e de gigantesca máquina de propaganda do regime, a
monopolização estatal dos meios de comunicação social, a instrumentalização da instrução pública, a
regulação da vida cultural.
Florestan Fernandes, com a aguda percepção
da luta de classes que lhe é peculiar, radicaliza ao afirmar que desde a década de 1930, “...as
classes e estratos de classe burgueses desenvolveram uma solidariedade de
classes abertamente totalitária e
contra-revolucionária, em suma, o fermento de uma ditadura de classe
preventiva”, que se efetivaria com o golpe de 1964”.
*
Esta tradição de longo prazo de construção da
nacionalidade sem cidadania foi,
então, levada ao paroxismo pela ditadura militar brasileira (1964-85): a Doutrina de Segurança
Nacional institucionalizou a figura do
inimigo interno e a necessidade de sua eliminação. Institucionalizaram-se
as câmaras de tortura, onde tudo é
possível. A instituição- prisão,
a instituição-tortura e a instituição
jurídica passaram a compor um só todo
orgânico articulado pelo aparelho repressivo.
Este continua montado e segue operando sob a égide da brutalidade
explícita e do Terror de Estado: o
Estado Penal vigente se constrói como sucessor do Estado de Segurança Nacional,
do qual é tributário.
Importante não perder de vista que tortura e extermínio não são fenômenos
recentes nestas plagas. Temos no prontuário trezentos e cinqüenta anos de
escravidão , quinhentos anos de extermínio da população indígena e, se
considerarmos apenas os últimos oitenta
anos de história da, vá lá, ´moderna´ república brasileira, mais da
metade se deu sob regimes de exceção. Na
outra metade, nas fases ditas constitucionais, dá-se o funcionamento normal do terror, que se abate
sistematicamente sobre as eternas classes perigosas, as classes torturáveis de sempre:
Se a
tortura não foi inventada pelos militares, ela foi certamente institucionalizada pela ditadura militar, que
a adotou como método de governo, como política de Estado. Nos vinte e um longos
anos de ditadura militar houve aumento
desenfreado dos meios de violência do Estado, que nunca abre mão de suas
conquistas neste terreno. Estão aí como evidências empíricas o pau-de-arara, os
choques elétricos, os afogamentos, os desaparecimentos forçados, as execuções
ditas extra-legais – eles vieram para
ficar. A tortura tornou-se a
instituição central da ditadura militar e permanece a como uma das instituições
mais sólidas e mais longevas do país. A cultura do terror, do extermínio, da
impunidade sobreviveu à ditadura militar, prosperou e permanece arraigada no
aparelho policial e repressivo. Mesma coisa para a cultura da criminalização do dissenso e dos
movimentos sociais. E ainda a cultura da mentira organizada, do sigilo
(arquivos) e da fabricação do esquecimento. O Estad ocontinua a interditar de forma cabal a punição dos
responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos
durante a ditadura militar. A estratégia
do esquecimento segue seu curso.
Durante a ditadura, simplesmente sumiram/evaporaram milhares de
indígenas – não se sabe o seu
paradeiro. Foi o que aconteceu com os
ianomâmi e waimiri-atroari, por exemplo.
Aqui em Minas houve política sistemática da PM de monitoramento e
repressão às comunidades indígenas. O
Reformatório Krenak (Resplendor-MG) e a Fazenda Guarani (Carmésia-MG),
pertencente à PM, verdadeiros campos de
concentração étnicos, são aparelhos desta política. Estes aparelhos precisam ser localizados. Os
responsáveis pelo seu funcionamento precisam ser punidos. Precisamos também acrescentar à lista dos
mortos e desaparecidos políticos os milhares de nomes dos trabalhadores do campo
e indígenas massacrados pelo latifúndio e pelo Estado.
O
pessimamente chamado Estado Democrático
de Direito (???) tem prendido,
matado e torturado mais que a ditadura militar, o que configura, segundo
o filósofo Paulo Arantes, a mais assustadora anomia que se possa imaginar. Tem
também promovido brutal regressão nas políticas públicas que se referem aos
direitos e avançado no projeto histórico
de extermínio da população indígena.
A
normalização defeituosa que aqui se instaurou com a Constituição de 1988
incorporou alegremente a situação-limite tão bem definida por Giorgio Agamben:
naturalizou-se o Estado de exceção permanente enquanto política de
Estado, o paradigma da segurança institucionaliza-se como técnica normal de
governo[25]. Realiza-se,
assim, o terrível telos da teoria de
Karl Schmitt, ideólogo do nazismo: a
inscrição do Estado de exceção num contexto jurídico[26] para dar sustentação técnica e política ao
totalitarismo de mercado dito neoliberal.
Enfim, a demofobia sem mediação
alguma, aqui se manifesta na iniqüidade da política sistemática de
encarceramento em massa e de extermínio
- ou melhor, genocídio
institucionalizado - da população jovem,
negra e indígena. Este é o país dos massacres sistemáticos, cuja
peridicidade tem assumido sistematicidade cada vez mais assustadoramente regular.
Há
ainda o fenômeno da militarização da sociedade. Exemplos
mais evidentes: a adoção das UPPs como
política de Estado, a organização militar dos canteiros de obras do PAC, a privatização
e quadriculação dos espaços públicos nas cidades. Trata-se de processo severo de fascistização
da sociedade.
O
fenômeno totalitário foi reatualizado
pela chamada pósmodernidade no Estado
de exceção como paradigma de governo
O agravante é que
esta situação não é prerrogativa exclusiva do Brasil, trata-se de fenômeno
universal: Giorgio Agamben, mais uma vez,
o define muito bem: o campo de
concentração – onde tudo é possível para a realização do domínio total, a
concretização mais acabada do aniquilamento da vida política, da consolidação
da superfluidade do ser humano -
tornou-se o paradigma biopolítico do Ocidente: as favelas e as reservas indígenas brasileiras se
apresentam como enormes campos de
concentração a céu aberto, como destaca o jornalista uruguaio Raúl Zibechi.
No caso dos índios, a situação ainda é mais drástica, já que são muito
mais atingidos pela invisibilidade – ou melhor, pelo inexitencialismo deles,
de sua história e de suas lutas -imposta
pelo aparato midiático e pela institucionalidade.
Tudo isto para consolidar e ampliar a
hegemonia do neoliberalismo – que nada
mais é, segundo Bourdieu, do que um
programa definitivo para destruir as estruturas coletivas capazes de resistir à
lógica do mercado puro.
Foi Walter
Benjamin, o primeiro a nos alertar para
a situação de barbárie engendrada naquela meia
noite da história, no começo de 1940, quando ele redige o clássico Sobre o conceito de história, pouco
antes de optar pelo suicídio, ao ver fracassada a sua tentativa de escapar da
Gestapo, na fronteira da França com a Espanha.
Retomemos ao pé da letra sua tese VIII, ela é genial, definitiva e irretocável. É sombria, mas é também um
chamamento à luta. Concluo com ela minha intervenção:
“A tradição dos oprimidos nos
ensina que o ‘Estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra
geral. Precisamos construir um conceito
de história que corresponda a esta verdade.
Neste momento, percebemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro
estado de exceção; com isso, nossa
posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que
seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como norma
histórica. O assombro com o fato de que
os episódios que vivemos no século XX ‘ainda’ sejam possíveis, não é um
assombro filosófico. Ele não gera nenhum
conhecimento, a não ser o conhecimento de que na concepção histórica da qual
emana, semelhante assombro é insustentável.”[27]
Belo
Horizonte, abril 2013
* * *
[1] SAMET, Henrique. “A
construção da brasilidade excludente”.
In: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE
JUSTIÇA. DOPS, a lógica da desconfiança. 1993,
p. 46-55. Estou me apropriando do conceito de brasilidade excludente, colocando-o na
centralidade deste capítulo, que será
calcado neste texto de Samet.
[2]
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo.
São Paulo: Brasiliense, 1976, p.9.
[3] CARVALHO, José
Murilo. “O historiador às vésperas do
terceiro milênio”. In: Pontos
e bordados. Belo Horizonte,
Editora UFMG, 1998, p.448.
[4] CARVALHO, J.M., op.
cit., p.448. Há boa síntese do papel
do IHGB em: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo
das raças Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda, p.101-140 ( “O
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro); e GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos Trópicos: o IHGB e o
projeto de uma história nacional”. Estudos
históricos, MCT, CNPq, FINEP, 1988/1,
p. 5-27.
[5] Schwartz, Roberto. Ao vencedor as batatas. São Paulo, Duas cidades, 1988.
[6]
VON MARTIUS, Carl F. P. “Como se deve
escrever a história do Brasil?”(“O Estado do Direito entre os autoctones do
Brasil”). Ferri, Marcos Guimarães
(dir.). COLEÇÃO RECONQISTA DO BRASIL
(Nova Série), v. 58. Belo Horizonte:
Editora Itatiaia Ltda / Editora da USP, p. 89-107.
[7] Id. ibid, p. 30.
[8] CARVALHO, José Murilo.
A formação das almas O imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, p. 23.
[9] BOSI, Alfredo. “Um
mito sacrificial: o indianismo de José de Alencar” In: BOSI, Alfredo, op. cit., p. 181 ( p. 176-193). V. tb.
RIBEIRO, Renato Janine. “ Iracema
ou a fundação do Brasil”. In: Freitas,
Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto, p.405-413.
[10] SCHWARCS, Lilia Moritz, op. cit., p.137.
[11] A expressão (homem
cordial), de Ribeiro Couto, é empregada por Sérgio Buarque de Holanda – “em
seu sentido exato e estritamente etimológico”- para designar o tipo ideal que representa a articulação
entre a herança ibérica e a estrutura social brasileira, marcada pelo “culto à
personalidade”, a incapacidade de abstração e a predominância de “contatos
primários”. V. HOLANDA, Sérgio
Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo, Editora Schwarcs, 1998, cap. 5 “O homem cordial”, p. 139-152.
[12]
GRECO, Heloisa. “O ‘passado que nos cerca’ e a promessa do
futuro: considerações sobre a questão da cidadania em Caio Prado Junior e
Sérgio Buarque de Holanda”. Fronteiras
Revista de História, Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul, v. 5, n. 10, 2001, p.63-80.
[13] SAMET, Henrique, op.
cit., p.49.
[14] COIMBRA, Cecília., op.cit.,
p. 93-97.
[15] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias
racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista,
que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de
1920. A construção da nação baseada no saneamento
moral constitui a missão civilizadora
da elite científica. A autora cita
Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil. José Murilo de Carvalho considera o darwinismo social como “a versão do final
do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales,
“o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo
assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da
lei do mais forte”. COIMBRA,
Cecília. Op. cit., p. 88-89; CARVALHO, José Murilo. A
formação das almas, p.24-25. V.
tb.: SCHWARCZ, Lilia Morirz, op. cit., p.43-66 ( Cap. 2: “Uma
história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[16] SAMET, Henrique, op. cit., p. 49. O autor se refere explicitamente a Afrânio
Peixoto, José Duarte e Jimenez de Ásua.
[17] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias
racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista,
que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de
1920. A construção da nação baseada no saneamento
moral constitui a missão civilizadora
da elite científica. A autora cita
Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil. José Murilo de Carvalho considera o darwinismo social como “a versão do final
do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales,
“o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo
assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da
lei do mais forte”. COIMBRA,
Cecília. Op. cit., p. 88-89; CARVALHO, José Murilo. A
formação das almas, p.24-25. V.
tb.: SCHWARCZ, Lilia Morirz, op. cit., p.43-66 ( Cap. 2: “Uma
história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[18] SAMET, Henrique,. op. cit., p. 48-51.
[19] CAPELATO, Maria Helena Rolim. “Estado novo:
novas histórias”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Historiografia
brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto, 1998, p. 183-213,
sobretudo 213.
[20] MEDEIROS,
Jarbas. Ideologia autoritária no Brasil.
Rio de Janeiro, FGV, 1978, p. 160.
V. tb. , claro,
VIANNA,Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: Record, 1947,
sobretudo p. 135-178. Medeiros considera Oliveira Vianna – sem
desabono de seus colegas como Alberto Torres, Azevedo Amaral, Francisco Campos
e Gustavo Capanema – como “um dos ideólogos mais lúcidos (em termos,
naturalmente de estrutura de poder) de todo o Brasil contemporâneo”.
[21] V. LEFORT, Claude. op.
cit., p.67; e LEFORT, Claude. “O nome de Um”.
In: LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso
da servidão voluntária. São Paulo,
Brasiliense, 1986, p. 125-171, sobretudo p. 138-142.
[22] FICO, Carlos, op.
cit., p.34.
[23] FICO, Carlos. op.
cit., p. 34.
[24] DUTRA, Eliane. O ardil totalitário: o imaginário político no Brasil dos anos 30. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997, p.
24-28. Dutra também trabalha a
representação do Uno, referida na
nota 35, colocando-a como núcleo desta tentativa de construção de uma “ordem totalitária”no
período em questão.
[25]
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2005, p.
12-49.
[26]
Idem, ibidem, p. 54.
[27]
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas Magia e
técnica, arte e política. São
Pulo: Editora Brasiliense, 1993 (6ª
ed.), p. 226.
1324- Massacre de Felisburgo: o que não pode ser esquecido - Coluna do Frei Gilvander
Massacre de
Felisburgo: o que não pode ser esquecido.
Gilvander Luís Moreira[1]
Na madrugada do dia 1º de maio de 2002, dia
das/os trabalhadoras/res, cerca de 230 famílias sem-terra, organizadas pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Nova
Alegria, de 1.700 hectares, em Felisburgo, Vale do Jequitinhonha, MG. Era a
primeira ocupação do MST no município. Cerca de 1/3 da fazenda (515 hectares) é
de terra devoluta, grilada pela família do fazendeiro e empresário Adriano
Chafic. O coronelismo imperava incólume na região, mas a fome e necessidade
impeliram os camponeses a se unir, se organizar e a partir para a luta. Com
poucas reuniões promovidas pelo MST, o povo teve a coragem de quebrar a cerca desse
latifúndio, onde, aliás, posseiros já tinham sido humilhados, inclusive, o Sr.
Koné, ali por muito tempo e ter depois simplesmente desaparecido.
Mas a sanha egoísta dos latifundiários
irrompeu-se. Era inadmissível o MST chegar, ocupar e quebrar um tabu que dizia
“aqui quem manda é os fazendeiros.” Era inaceitável Sem Terra ter vez e voz.
Assim, uma escalada de ameaças desencadeou-se durante dois anos e meio. Ameaças
de todos os tipos. O povo do Acampamento Terra Prometida – pelo Deus da vida e
pela luta organizada – teve de montar guarita e Comissão de Segurança para se
defender. Inúmeras denúncias foram feitas pelo MST e pela Comissão Pastoral da
Terra (CPT) alertando as polícias militar e civil, a Secretaria de Segurança de
Minas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Governo
Federal, enfim, todas as autoridades sobre os riscos a que estavam sujeitos os
trabalhadores. Estava já sendo criadas as condições para se fazer o que ficou
conhecido como O Massacre de Felisburgo. Mas ... até os Boletins de Ocorrência
eram “revisados” pelos Sem Terra, porque quase sempre maquiados por policiais que
se negavam a escrever a versão dos Sem Terra. A CPT,
em 24 de setembro de 2004, fez uma representação junto à Secretaria de
Segurança Pública de Minas, alertando que oito jagunços estavam há dois dias
dentro do acampamento, mas as autoridades não tomaram as medidas para evitar o
massacre. O Estado, mais do que omisso, revelou-se cúmplice de
violência.
Estes fatos ganharam
repercussão nacional e internacional, mas não são isolados. Eles se inserem no
bojo dos 112 conflitos agrários no estado de Minas Gerais, registrados pela CPT
em 2004. Estes conflitos, além dos nove assassinatos acontecidos em Minas Gerais , foram
responsáveis por 32 tentativas de assassinatos, 27 ameaças de morte, 24
torturados, 75 presos e 56 feridos. Em 25 de novembro de 2004, a CPT de Minas
entregou ao Governo do Estado e à Assembléia Legislativa de Minas Gerais um
dossiê denunciando a existência de milícias armadas atormentando a vida dos
sem-terra acampados no estado. A CPT/MG também registrou 26 ataques de jagunços
a acampamentos em Minas nos anos de 2003 e 2004.
Após ter acontecido em Unaí, MG, dia 28
de janeiro de 2004, o Massacre dos quatro fiscais do Ministério do Trabalho, no
mesmo ano, dia 20 de novembro de 2004, um sábado chuvoso, dia de Zumbi dos
Palmares e da Consciência Negra, por volta das 10:40h da manhã, Adriano Chafic,
dono também de muitas outras fazendas na Bahia, chegou ao Acampamento Terra
Prometida, com um bando de 17 jagunços. Renderam um Sem Terra que estava na
guarita do acampamento e, com revólver encostado na sua orelha, o obrigaram a
soltar um foguete, que era a senha para reunir todo o povo do acampamento em
caso de ameaça ou de necessidade de se reunir com rapidez. O povo começou a se
reunir. Adriano Chafic, visto por muitos no local, liderava a operação,
perguntando “Cadê a Eni e o Jorge?” e
ordenando “Podem atirar e matar...”.
O bando de jagunços - uns encapuzados, outros não - iniciaram os disparos.
Dentro de poucos minutos já tinham assassinado cinco Sem Terra - Francisco
Nascimento Rocha (72 anos), Juvenal
Jorge da Silva (65 anos) Miguel José
dos Santos (56 anos), Joaquim José
dos Santos (49 anos) e Iraguiar
Ferreira da Silva (23 anos). Todos os tiros foram à queima roupa. Feriram mais de 12 pessoas, incendiaram com
gasolina dezenas de barracos de lona preta, inclusive a barraca da Escola, a
barraca de alimentos, a barraca da biblioteca, barracos da Eni e do Jorge. Uma
criança de doze anos levou um tiro próximo ao olho. Puseram gado nas lavouras
dos Sem Terra. Muitos trabalhadores do acampamento ficaram, desde então,
amedrontados e portadores de alguma doença, física ou mental, como conseqüência
daquele crime.
Eni
está viva, porque naquele momento estava na pequena Secretaria do MST na cidade
de Jequitinhonha. O Jorge está vivo, porque companheiros o convenceram a sair
rastejando pelos fundos do acampamento. Ele fugiu pelo mato por muitos
quilômetros até poder telefonar e dizer a Eni: “Cinco companheiros tombaram no Acampamento Terra Prometida, mas nós
seguiremos em frente!”
O pânico e traumas indeléveis estão
ainda como fantasmas na mente, no subconsciente de dezenas de crianças, idosos,
mães desesperadas procurando seus filhos. Leonice, mãe de onze filhos, com seis
já tendo migrado para São Paulo, por falta de reforma agrária, em pranto
gritava procurando seus filhos.
Avisada logo em seguida por Eni, a
Polícia só apareceu no local do Massacre de Felisburgo seis horas após, dando
prazo suficiente para os jagunços e Adriano Chafic fugirem, após esconder o
arsenal de armas em um buraco no mato. Detalhe: cada jagunço empunhava dois
revólveres. Além de encontrar as armas, a polícia encontrou as Notas Fiscais de
compra das armas na Bahia e da compra de colchões para abrigar os jagunços
durante a preparação do bárbaro massacre.
Houve feridos que morreram por falta de
socorro. Um motorista de Kombi da prefeitura de Felisburgo foi demitido porque
deu carona para um trabalhador Sem Terra que implorava na beira da estrada por socorro.
Mortes a queima roupa e com requintes de crueldade. Assassinatos seletivos,
pois os cinco mortos eram lideranças do acampamento e do MST do Vale do
Jequitinhonha. O ódio também se voltava contra ex-trabalhadores da fazenda,
pois, na mente doentia do assassino, significava afronta à submissão dos
trabalhadores aos seus coronéis.
Adriano Chafic foi preso duas vezes e
conquistou habeas corpus. Confessou a participação no massacre. Ele e os
jagunços – um já morreu – já deveriam estar detrás das grades, condenados como
perpetradores desse crime hediondo, mas há muitos outros culpados que não podem
ser esquecidos. O prefeito de Felisburgo na época e vários outros fazendeiros
participavam agressivamente das ameaças e davam todo apoio à sanha criminosa do
Adriano Chafic. Policiais, delegado e o governo de Minas que deixa as terras
nas mãos de empresas, especialmente as eucaliptadoras. Some-se que agora o
governador de Minas está tentando reabilitar uma Proposta de Emenda à
Constituição de Minas e aprová-la na Assembleia Legislativa querendo passar de
250 para 2.500 hectares a área que o Estado de Minas Gerais pode titular as
terras devolutas para as pessoas físicas ou jurídicas. Algo antidemocrático que
significa entregar de vez a imensidão de terras devolutas de MG, contrariando a
Constituição Federal que destina essas terras preferencialmente para a Política
de Reforma Agrária. Logo, o Governo de MG também deveria estar no Banco dos
réus ao lado do mandante Chafic.
O Presidente Lula assinou o Decreto de
desapropriação da Fazenda Nova Alegria por crime ambiental, não porque lá
ocorreu o massacre. Ou seja, matar uma árvore é mais grave do que matar cinco
pessoas, disse implicitamente o decreto de desapropriação. Mas o Poder
judiciário não se comoveu nem com as árvores matadas e nem com o sangue dos
pobres vertendo na mãe terra, naquele dia chuvoso. E impugnou o decreto
desapropriatório. Assim as 60 famílias que perseveram na luta estão ainda sem
ser assentadas e terão que fazer a reforma agrária na marra, porque o Estado violentador
dos direitos humanos não o faz.
No memorial
construído no cemitério da cidade de Felisburgo, há uma grande inscrição que diz:
"Aqui foram sepultados os Sem Terra Francisco, Iraguiar, Manoel,
Joaquim e Miguel, covardemente assassinados a mando do fazendeiro Adriano
Chafik, dia 20 de novembro de 2004. Eles tombaram, mas o sangue deles circula
nas nossas artérias e nós seguiremos lutando por reforma agrária, por justiça
social e dignidade. Essa era a luta deles e é nossa luta." A Família MST
assumiu o compromisso, imortalizado na frase inscrita do lado esquerdo do
memorial: "Nós caminharemos por
vocês na busca dos seus sonhos que também são os nossos sonhos: a terra, a
justiça e a dignidade". O memorial guarda a triste lembrança do dia em
que o fazendeiro Adriano Chafik comandou o Massacre de Felisburgo.
Em 20 de novembro de 2005, na celebração
de 1 ano do massacre de Felisburgo, uma série de testemunhos deixou todos os
presentes com o coração na mão. O Sem Terra Jorge Rodrigues Pereira, um dos
marcados para morrer naquele dia, deu o seu testemunho: "Iraguiar, antes de ser assassinado, me
disse: 'Jorge, sai fora, porque vão matar você'. Quando vi o tanto de armas,
tentei animar os companheiros a dialogar com os pistoleiros, mas tive que
correr para não ser morto também. Fugi para procurar socorro. Andei uns oito
quilômetros pelo mato até um vilarejo, onde pude telefonar para avisar aos
companheiros da cidade de Jequitinhonha e de Belo Horizonte. Nós não queremos
guerra. Queremos terra, pois sabemos plantar".
José Maria Martins, um sobrevivente que
levou um tiro na perna, disse: "Enquanto
a gente tentava levantar um companheiro que tombava, os pistoleiros matavam
outros. Após fugir para não morrer, olhei para trás e vi uma nuvem de fumaça
cobrindo o acampamento que ardia em chamas. Nunca vou esquecer isso. Doeu muito e
continua doendo!".
A Sem Terra Maria
Gomes enfatizou: "Antes da chegada
do MST em Felisburgo, os pobres sempre se curvavam diante do poder dos
fazendeiros. O massacre foi premeditado. As armas foram compradas antes e os
coronéis diziam que o massacre não aconteceria antes da eleição para não
atrapalhar a política e o candidato apoiado por eles, ou seja, um massacre não
ficaria bem".
Dia 20 de novembro de 2009, no
cemitério de Felisburgo, na celebração do 5º ano do Massacre de Felisburgo, a
emoção foi grande. Muitos choraram. As viúvas e os sobreviventes do massacre de
Felisburgo sentiram, mais uma vez, uma espada de dor atravessando o coração
deles. Graziele, de onze anos, entre lágrimas desabafou: "Todos os dias
sinto uma grande dor no coração, pois perdi meu pai Joaquim, perdi meu tio Miguel
e perdi meu cunhado Iraguiar. Todos nesse covarde massacre. Eu só peço justiça!"
Eis a dor que o latifúndio e o coronelismo causam.
A psicóloga doutoranda da PUC/SP
Fabiana Andrade e professora da PUC/MG pesquisou em sua dissertação o trauma
causado pelo Massacre de Felisburgo. Diz ela: “Diagnostiquei que as pessoas desenvolveram um trauma que afeta suas
vidas diariamente. Elas têm medo, não dormem à noite, algumas pessoas desmaiam
e têm pesadelos constantes.”
Três processos de indenização na
esfera cível tramitam parados na comarca de Jequitinhonha. Indenização? Cadê?
Apesar de tanta dor, um sentimento pode
ser cultivado: hoje, 8,5 anos após, o MST é respeitado em Felisburgo. Todo
sábado a produção do Acampamento Terra Prometida é carinhosamente esperada na
Feira de Felisburgo, pois os alimentos, verduras e legumes produzidos hoje
pelas 60 famílias da Terra Prometida abastecem a Feira da Cidade. “70% do abastecimento de alimentos para a
cidade vem do Terra Prometida”, diz o vice-prefeito de Felisburgo, Franklin
Canguçu. Ou seja, o latifúndio e os latifundiários oferecem balas que matam os
Sem Terra, mas os Sem Terra oferecem alimentação saudável, sem agrotóxicos,
para o povo. No acampamento Terra Prometida, a luta segue com muita
organização: grupos de jovens, rádio comunitária, escola municipal, além da
organização em núcleos de base. Assim, o MST segue na luta produzindo acima de
tudo pessoas cidadãs e revolucionárias. Tombaram cinco Sem Terra, mas os
sobreviventes seguiram em frente!
O julgamento de Adriano Chafic e de
Washington, esse gerente da fazenda, após quase nove anos, está marcado para
dia 15 de maio de 2013 pelo Tribunal do Júri, em Belo Horizonte, MG. O
Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas, da área de conflitos
agrários, Dr. Afonso Henrique de Miranda alerta: “Eu não estou trabalhando com a possibilidade de Chafik ser inocentado.
Eu trabalho com provas, e temos provas suficientes para sua condenação.” Será
feita justiça?
Belo Horizonte, MG, Brasil, 13 de maio
de 2013.
Eis, abaixo, links de alguns vídeos que estão na
internet, no youtube, vídeos que revelam a verdade nua e crua sobre o Massacre
de Felisburgo.
1)
Massacre de
Felisburgo, 1ª parte de 6 (7,2 minutos):
2) Massacre de Felisburgo, 2,30 minutos:
3) Massacre de Felisburgo, feito pelo italiano Antonio Luppo:
4)
Depoimento de
João Pedro Stédile, da coord. do MST Nacional, sobre o Massacre de Felisburgo,
7 minutos.
5)
Massacre de
Felisburgo, parte 1 (7,41 minutos):
6)
Massacre de
Felisburgo: Mística durante o Encontro de preparação para o Plebiscito Popular
em MG (12 minutos):
7)
Massacre de Felisburgo, em MG, segundo Eni, do MST. O Clamor
justiça chega aos céus! 05/05/2013 (14 minutos0):
8)
Brigada Justiça para Felisburgo. Justiça para o Massacre de
Felisburgo. Julgamento em BH, 15/05/2013
9)
Palavra Ética com Antoniel Assis e Joselane Gomes: massacre de
Felisburgo. E a Justiça? 14/11/2012
https://www.youtube.com/watch?v=6qMtT0PgUGk
10) Massacre de Felisburgo (Audiência na ALMG): Eni e Dr. Afonso
Henrique/Denúncias graves. 21/11/2012
https://www.youtube.com/watch?v=cxkNoUVA4u0
11) Dep. Padre João cobra Reforma Agrária em Audiência sobre Massacre
de Felisburgo. 21/11/2012
https://www.youtube.com/watch?v=xHNyKMQgiN8
12) Jorge Rodrigues, sobrevivente do Massacre de Felisburgo, MG:
memória do Massacre. 20/10/2012
https://www.youtube.com/watch?v=e6UniPXXcuc
13) Massacre de Felisburgo: Kely, do MST e sobrevivente, relata que
ameaças continuam. 20/10/2012
https://www.youtube.com/watch?v=T4Ya57hh7Zk
14) Palavra Ética com Jorge Rodrigues e Maíra Gomes,
sobreviventes/Massacre/Felisburgo/MST. 07/11/2012
https://www.youtube.com/watch?v=zlooMdNqQRo
15) Justiça para Felisburgo
https://www.youtube.com/watch?v=ZJ1sQhTT5Dw
16) JUSTIÇA PARA FELISBURGO 1
https://www.youtube.com/watch?v=1mHsA4yLw6Q
17) JUSTIÇA PARA FELISBURGO 6
https://www.youtube.com/watch?v=1mHsA4yLw6Q
18) JUSTIÇA PARA FELISBURGO 5https://www.youtube.com/watch?v=1AePAGHbR0U
Obs.: Muitos dos
vídeos, acima referidos, têm outras partes que podem ser encontradas em www.youtube.com.br
[1] Frei e Padre Carmelita, bacharel
e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP, mestre em
Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, doutorando em Educação pela
FAE/UFMG, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br
– facebook: gilvander Moreira
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